O direito
contratual que se toma como paradigma, tanto para a formação como para a
prática dos operadores do direito, é o que se desenhou durante a hegemonia do
Estado liberal, corporificando nas codificações a concepção iluminista da
autonomia da vontade.
De
modo geral podem ser assim agrupados os princípios que determinam a função
individual do contrato:
I – Princípio da autonomia privada (ou da autonomia da vontade, ou da
liberdade contratual);
II – Princípio da obrigatoriedade (pacta sunt servanda ou da
intangibilidade);
III – Princípio da relatividade subjetiva (ou da eficácia relativa às
partes contratantes).
No Estado
liberal, o contrato converteu-se em instrumento por excelência da autonomia da
vontade, confundida com a própria liberdade, ambas impensáveis sem o direito de
propriedade privada. Liberdade de contratar e liberdade de propriedade seriam
interdependentes, como irmãs siamesas.
A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, em 1789, proclamou
a sacralidade da propriedade privada (“Art. 17. Sendo a propriedade um direito
sagrado e inviolável...”), tida como exteriorização da pessoa humana ou da
cidadania. Emancipada da rigidez estamental da Idade Média, a propriedade
privada dos bens econômicos ingressou em circulação contínua, mediante a
instrumentalização do contrato.
Autonomia
da vontade, liberdade individual e propriedade privada, transmigraram dos
fundamentos teóricos e ideológicos do Estado liberal para os princípios de
direito, com pretensão de universalidade e intemporalidade.
Considere-se
o mais brilhante dos pensadores da época, Kant, especialmente na Fundamentação
da Metafísica dos Costumes[2] onde distingue o que entende por
autonomia de heteronomia. A autonomia é o campo da liberdade, porque os seres
humanos podem exercer suas escolhas e estabelecerem regras para si mesmos,
coletivamente ou interindividualmente. A heteronomia, por seu turno, é o campo
da natureza cujas regras o homem não pode modificar e está sujeito a elas[3].
Assim, o
mundo ético, em que se encartaria o direito, seria o reino da liberdade dos indivíduos,
enquanto tais, porque a eles se dirige o princípio estruturante do imperativo
categórico kantiano. Na fundamentação filosófica kantiana, a autonomia envolve
a criação e aplicação de todo o direito. Posteriormente, os juristas deram
feição dogmática estrita ao princípio da autonomia, significando o espaço de
auto-regulação dos interesses privados, de onde emerge o contrato.
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