O
paradigma em que se fundavam os princípios individuais do contrato era a
primazia do interesse individual, corporificado no constitucionalismo liberal,
que reduzia a intervenção estatal ao mínimo, e na codificação civil que
tutelava essencialmente o patrimônio do indivíduo. O Código Civil de 2002, tal
como o fez o Código de Defesa do Consumidor, tem como paradigma a
funcionalização do contrato a fins sociais, equilibrando os interesses
individuais e sociais, segundos os fundamentos ditados pelas Constituições do
Estado social, inaugurado em 1934, no Brasil, e bem delineado na Constituição
de 1988.
O Estado
social, sob o ponto de vista do direito, deve ser entendido como aquele que
acrescentou à dimensão política do Estado liberal (limitação e controle do
poderes políticos e garantias aos direitos individuais, que atingiu seu apogeu
no século XIX) a dimensão econômica e social, mediante a limitação e controle
dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos. O Estado
social se revela pela intervenção legislativa, administrativa e judicial nas
atividades privadas. As Constituições sociais são assim compreendidas quando
regulam a ordem econômica e social, para além do que pretendia o Estado
liberal.
Para
alguns, impressionados com o fenômeno crescente da globalização econômica e com
a crise do Estado social, a partir da década de oitenta do século passado, já
se cogitaria de um Estado pós-social[4]. Firmando posição na controvérsia, entendo
que não há, rigorosamente, Estado pós-social, ao menos sob o ponto de vista
jurídico. A crise do Estado social foi aguçada pela constatação dos limites das
receitas públicas para atendimento das demandas sociais, cada vez mais
crescentes. Portanto, a crise situa-se na dimensão da ordem social insatisfeita
(garantia universal de saúde, educação, segurança, previdência social,
assistência aos desamparados, sobretudo), ou do Estado providência. No que
respeita à ordem econômica, todavia, a crise é muito mais ideológica que real,
pois dirige-se à redução do Estado empreendedor ou empresário e do garantismo
legal. Mas, na medida que o Estado substitui seu papel de empreendedor para o
de regulador da atividade econômica, permanece intacta a natureza
intervencionista da ordem econômica constitucional, ou a “mão visível” do
Estado. O Estado regulador fortalece ainda mais o processo de intervenção
legislativa, administrativa e judicial nas atividades econômicas, máxime das
empresas concessionárias de serviços públicos, que lidam com coletividades de
adquirentes ou utentes. O paradoxo atual, que confunde tantos espíritos, pode
ser assim esquematizado: a intervenção jurídica cresce na proporção da redução
da atividade econômica estatal e do conseqüente aumento dos poderes privados nacionais
e transnacionais.
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