terça-feira, 8 de outubro de 2013

O direito do estado social como fator de mudança (Paulo Lôbo)



O paradigma em que se fundavam os princípios individuais do contrato era a primazia do interesse individual, corporificado no constitucionalismo liberal, que reduzia a intervenção estatal ao mínimo, e na codificação civil que tutelava essencialmente o patrimônio do indivíduo. O Código Civil de 2002, tal como o fez o Código de Defesa do Consumidor, tem como paradigma a funcionalização do contrato a fins sociais, equilibrando os interesses individuais e sociais, segundos os fundamentos ditados pelas Constituições do Estado social, inaugurado em 1934, no Brasil, e bem delineado na Constituição de 1988.
O Estado social, sob o ponto de vista do direito, deve ser entendido como aquele que acrescentou à dimensão política do Estado liberal (limitação e controle do poderes políticos e garantias aos direitos individuais, que atingiu seu apogeu no século XIX) a dimensão econômica e social, mediante a limitação e controle dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos. O Estado social se revela pela intervenção legislativa, administrativa e judicial nas atividades privadas. As Constituições sociais são assim compreendidas quando regulam a ordem econômica e social, para além do que pretendia o Estado liberal.
Para alguns, impressionados com o fenômeno crescente da globalização econômica e com a crise do Estado social, a partir da década de oitenta do século passado, já se cogitaria de um Estado pós-social[4]. Firmando posição na controvérsia, entendo que não há, rigorosamente, Estado pós-social, ao menos sob o ponto de vista jurídico. A crise do Estado social foi aguçada pela constatação dos limites das receitas públicas para atendimento das demandas sociais, cada vez mais crescentes. Portanto, a crise situa-se na dimensão da ordem social insatisfeita (garantia universal de saúde, educação, segurança, previdência social, assistência aos desamparados, sobretudo), ou do Estado providência. No que respeita à ordem econômica, todavia, a crise é muito mais ideológica que real, pois dirige-se à redução do Estado empreendedor ou empresário e do garantismo legal. Mas, na medida que o Estado substitui seu papel de empreendedor para o de regulador da atividade econômica, permanece intacta a natureza intervencionista da ordem econômica constitucional, ou a “mão visível” do Estado. O Estado regulador fortalece ainda mais o processo de intervenção legislativa, administrativa e judicial nas atividades econômicas, máxime das empresas concessionárias de serviços públicos, que lidam com coletividades de adquirentes ou utentes. O paradoxo atual, que confunde tantos espíritos, pode ser assim esquematizado: a intervenção jurídica cresce na proporção da redução da atividade econômica estatal e do conseqüente aumento dos poderes privados nacionais e transnacionais.

LÔBO, Paulo. Princípios contratuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3750, 7 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25359>. Acesso em: 8 out. 2013.

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