O
princípio da função social determina que os interesses individuais das partes
do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre
que estes se apresentem. Não pode haver conflito entre eles pois os interesses
sociais são prevalecentes. Qualquer contrato repercute no ambiente social, ao
promover peculiar e determinado ordenamento de conduta e ao ampliar o tráfico
jurídico.
Para
Miguel Reale o contrato nasce de uma ambivalência, de uma correlação essencial
entre o valor do indivíduo e o valor da coletividade. “O contrato é um elo que,
de um lado, põe o valor do indivíduo como aquele que o cria, mas, de outro
lado, estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser executado e
onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida”[6].
No
período do Estado liberal a inevitável dimensão social do contrato era
desconsiderada para que não prejudicasse a realização individual, em
conformidade com a ideologia constitucionalmente estabelecida; o interesse
individual era o valor supremo, apenas admitindo-se limites negativos gerais de
ordem pública e bons costumes, não cabendo ao Estado e ao direito considerações
de justiça social.
A função
exclusivamente individual do contrato é incompatível com o Estado social,
caracterizado, sob o ponto de vista do direito, como já vimos, pela tutela
explícita da ordem econômica e social na Constituição. O art. 170 da
Constituição brasileira estabelece que toda a atividade econômica – e o
contrato é o instrumento dela – está submetida à primazia da justiça social.
Não basta a justiça comutativa que o liberalismo jurídico entendia como
exclusivamente aplicável ao contrato[7]. Enquanto houver ordem econômica e social
haverá Estado social; enquanto houver Estado social haverá função social do
contrato.
Com
exceção da justiça social, a Constituição não se refere explicitamente à função
social do contrato. Fê-lo em relação à propriedade, em várias passagens, como
no art.170, quando condicionou o exercício da atividade econômica à observância
do princípio da função social da propriedade. A propriedade é o
segmento estático da atividade econômica, enquanto o contrato é seu segmento
dinâmico. Assim, a função social da propriedade afeta necessariamente o
contrato, como instrumento que a faz circular.
Tampouco
o Código de Defesa do Consumidor o explicitou, mas não havia necessidade
porquanto ele é a própria regulamentação da função social do contrato nas
relações de consumo.
No Código
Civil de 2002 a função social surge relacionada à “liberdade de contratar”, como
seu limite fundamental. A liberdade de contratar, ou autonomia privada,
consistiu na expressão mais aguda do individualismo jurídico, entendida por
muitos como o toque de especificidade do direito privado. São dois princípios
antagônicos que exigem aplicação harmônica. No Código a função social não é
simples limite externo ou negativo mas limite positivo, além de determinação do
conteúdo da liberdade de contratar. Esse é o sentido que decorre dos termos
“exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (art. 421).
O
princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual
comum brasileiro e, talvez, a de todo o novo Código Civil. Os contratos que não
são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido
que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais
fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo
do direito constitucional, o contrato deve ser interpretado em conformidade com
o princípio da função social.
O
princípio da função social do contrato harmoniza-se com a modificação
substancial relativa à regra básica de interpretação dos negócios jurídicos
introduzida pelo art. 112 do Código Civil de 2002, que abandonou a investigação
da intenção subjetiva dos figurantes em favor da declaração objetiva,
socialmente aferível, ainda que contrarie aquela.
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