segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Viúva, mesmo não sendo herdeira, possui legitimidade para impugnar ação de investigação de paternidade post mortem?

Publicado por Lorena Lucena Tôrres

Hoje eu pego uma carona no maravilhoso site jurídico – Dizer O Direito (http://www.dizerodireito.com.br/2016/04/a-viuva-mesmo-nao-sendo-herdeira-possui.html#more), que disponibilizou este maravilhoso artigo, explicando alguns pontos do regime de bens (https://lucenatorres.jusbrasil.com.br/artigos/450042665/os-diversos-regimes-de-bens-no-brasil), as formas de sucessões e a investigação de paternidade post mortem, espero que auxiliem vocês da mesma forma que me auxiliou na leitura.

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, casado com Maria, morreu e deixou dois filhos que estão registrados em seu nome: Pedro e Tiago.

Um mês após a morte, apareceu Lucas afirmando que João era também seu pai biológico, apesar de nunca tê-lo registrado.

Se João ainda estivesse vivo, contra quem deveria ser proposta a ação? Contra quem é proposta a ação de investigação de paternidade?

Contra João. A ação de investigação de paternidade deve ser proposta em face do suposto pai.

E neste caso, em que João já está morto, contra quem Lucas terá que ajuizar a ação? Quem deverá figurar obrigatoriamente no polo passivo da ação de investigação de paternidade post mortem?

A ação de investigação de paternidade post mortem deve ser proposta contra os herdeiros do suposto pai. Isso é o que está previsto no art. 27 do ECA:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

A ação de investigação post mortem terá que ser proposta, obrigatoriamente, contra os herdeiros do falecido porque, se esta for julgada procedente, o resultado da demanda irá afetar diretamente a situação dos herdeiros, que poderão perder o direito à herança ou ficar com ela reduzida.

Em nosso exemplo, Lucas terá que propor a ação de investigação contra Maria (a viúva)?

Depende. A viúva é herdeira necessária (art. 1.845 do CC), mas se o falecido tiver deixado descendentes (filhos, netos etc.), a viúva poderá não ter direito à herança, a depender do regime de bens.

A regra está no art. 1.829, I, do CC:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

Esse inciso é muito confuso e mal redigido, o que gera bastante polêmica na doutrina e jurisprudência. O que se pode extrair dele é o seguinte: o cônjuge é herdeiro necessário, mas há situações em que a lei deu primazia (preferência) para os descendentes do morto.

Assim, foram previstos alguns casos em que o cônjuge, a depender do regime de bens, não irá ter direito à herança, ficando esta com os descendentes. Vejamos:

I – Situações em que o cônjuge herda em concorrência com os descendentes

II – Situações em que o cônjuge não herda em concorrência com os descendentes
• Regime da comunhão parcial de bens, se existirem bens particulares do falecido.
• Regime da separação convencional de bens (é aquela que decorre de pacto antenupcial).
• Regime da comunhão parcial de bens, se não havia bens particulares do falecido.
• Regime da separação legal (obrigatória) de bens (é aquela prevista no art. 1.641 do CC).
• Regime da comunhão universal de bens.

Assim, por exemplo, se Maria era casada com João sob o regime da separação convencional de bens, ela terá direito, juntamente com Pedro e Tiago, à herança deixada pelo marido. Logo, neste caso, Lucas terá que propor a ação de investigação de paternidade contra Maria, Pedro e Tiago.

Por outro lado, se Maria era casada com João sob o regime da comunhão universal de bens, ela não terá direito à herança. Neste caso ela será meeira, mas não herdeira. Desse modo, Lucas terá que propor a ação apenas contra Pedro e Tiago.

Se os consortes são casados no regime da comunhão universal, isso significa que, quando a pessoa morre, seu cônjuge tem direito à meação, ou seja, metade dos bens do falecido já pertencem obrigatoriamente ao cônjuge supérstite. A outra metade é que será a herança.

Ora, o legislador pensou o seguinte: “se o cônjuge já vai ter direito à metade dos bens pelo fato de ser meeiro, não é justo que ele também tenha parte da outra metade em prejuízo dos descendentes; vamos excluir o cônjuge da herança para que ela fique toda para os descendentes.”

Voltando ao nosso exemplo:

Vamos supor que Maria era casada sob o regime da comunhão universal de bens.

O advogado de Lucas descobriu isso ao examinar a certidão de óbito de João, onde lá constava essa informação.

Sabendo que Maria não tinha direito à herança, o advogado de Lucas preparou a ação de investigação de paternidade post mortem apenas contra Pedro e Tiago (herdeiros).

Agiu corretamente o advogado de Lucas?

SIM. Isso porque, como vimos, sendo a viúva casada no regime da comunhão universal de bens, ela será meeira, mas não herdeira.

Pedro e Tiago foram citados e apresentaram contestação. Realizou-se audiência, na qual foi ouvida uma testemunha, e o juiz remarcou o restante da audiência em razão de as duas testemunhas restantes estarem comprovadamente doentes.

Foi, então, que Maria soube que estava tramitando este processo e ficou chateada porque queria participar e provar que seu marido nunca a havia traído e que "não tinha outro filho coisa nenhuma".

Maria, por meio de advogado, peticiona ao juiz requerendo:

1) seu ingresso no feito no polo passivo a fim de impugnar a ação de investigação;

2) que a instrução do processo seja reiniciada, reabrindo o prazo para que ela apresente contestação, sendo novamente ouvida a testemunha já inquirida.

Os pedidos de Maria deverão ser aceitos?

Um deles sim, o outro não.

Pedido 1: SIM.

Na hipótese de a viúva não ser herdeira do investigado, ela não ostentará, em princípio, a condição de parte ou litisconsorte necessária na ação de investigação de paternidade post mortem. Em outras palavras, o autor da ação não precisa propor a demanda contra ela.

A relação processual estará, em regra, completa com a citação de todos os seus herdeiros, não havendo nulidade pela não inclusão no polo passivo de viúva não herdeira.

Ocorre que o Código Civil autoriza que qualquer pessoa que tenha interesse possa contestar a ação de investigação de paternidade (art. 1.615).

No caso concreto, Maria não possui interesse patrimonial na demanda, considerando que, mesmo que Lucas seja reconhecido como filho, o que irá mudar é que Pedro e Tiago terão que dividir a herança com ele. A meação de Maria permanecerá intacta.

A viúva possui, no entanto, interesse moral na causa.

Em regra, o interesse meramente moral não autoriza a intervenção como assistente. No entanto, a interpretação da doutrina e da jurisprudência é que, no caso do art. 1.615 do CC, o interesse moral permite que a viúva intervenha no polo passivo da ação de investigação de paternidade post mortem.

Dessa forma, Maria poderá assumir o polo passivo da ação, juntamente com os demais réus, pelo fato de possuir interesse moral na causa, o que satisfaz a exigência do art. 1.615 do CC:

Art. 1.615. Qualquer pessoa, que justo interesse tenha, pode contestar a ação de investigação de paternidade, ou maternidade.

Pedido 2: NÃO

Maria, pelo fato de não ter direito à herança, não era litisconsorte necessária. Em outras palavras, Lucas, o autor da demanda, não era obrigado a incluí-la no polo passivo. Ele não fez nada errado ao intentar a demanda apenas contra os herdeiros (Pedro e Tiago). Logo, não há motivo para se retroceder o curso processual.

Aplica-se aqui o raciocínio expresso no parágrafo único do art. 119 do CC:
Art. 119. (...) Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.

Resumindo:
Mesmo nas hipóteses em que não ostente a condição de herdeira, a viúva poderá impugnar ação de investigação de paternidade post mortem, devendo receber o processo no estado em que este se encontra.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.466.423-GO, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/2/2016 (Info 578).

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