O jurista Sílvio de Salvo Venosa ensina que:
Toda propriedade, ainda que resguardado o direito do proprietário, deve cumprir uma função social. [...] Utilizar a propriedade adequadamente possui no mundo contemporâneo amplo espectro que ultrapassa para aspectos como a proteção da fauna e da flora e para sublimação do patrimônio artístico e histórico[14]
Nessas condições, a expressão função social:
[...] procede do latim functio, cujo significado é de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utiliza-se o termo função para exprimir a finalidade de um modelo jurídico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento jurídico.[15]
Com efeito, o surgimento da tese da função social da propriedade
atribui-se a duas concepções distintas: da doutrina clássica do direito
natural da Igreja Católica e dos positivistas no século retrasado.
Todavia, o princípio da função social da propriedade é relativamente
recente, apesar da idéia em si ser antiga, uma vez que já era
questionado nas concepções cristãs. Bem assim, o primeiro autor a
relevar a idéia de propriedade como função social foi Augusto Comte,
fundador do Positivismo, entorno de 1850. Contudo, a expressão “função
social da propriedade” só se popularizou a partir dos ensinamentos do
constitucionalista Léon Duguit, em meados de 1910. Mas a consagração do
princípio da função social da propriedade somente veio à tona na
Constituição de Weimar no ano de 1919. [16] No
Brasil, a função social foi legislada pela primeira vez na Constituição
de 1934, no capítulo da “Ordem Econômica e Social”, o qual foi
reafirmado na Carta de 1946. [17]
Convém salientar, também, que José Diniz de Moraes aduz que a função social da propriedade é:
O concreto modo de funcionar da propriedade, seja como exercício do direito de propriedade ou não, exigido pelo ordenamento jurídico, direta ou indiretamente, por meio de imposição de obrigações, encargos, limitações, restrições, estímulos ou ameaças, para satisfação de uma necessidade social, temporal ou espacialmente considerada.[18]
Logo, a função social é um instituto que modifica o regime de
propriedade, ao passo que há uma desvinculação da qualidade de
individualista, sujeitando a propriedade aos interesses da comunidade,
assumindo um caráter mais social. Na maioria dos países a característica
principal é a concentração de terras em poucas mãos e isso propiciou o
surgimento de teorias sobre a propriedade fundiária, as quais colocam a
questão social numa condição de superioridade, em detrimento das
concepções individualistas. [19] Destarte, a
função social impõe limites ao exercício da propriedade, ao passo que o
interesse da coletividade se sobrepõe aos interesses individuais.
Outrossim, o direito agrário brasileiro tem como princípio básico a
função social da propriedade, que está fundamentado no Estatuto da Terra
(Lei nº 4.504/1964).[20] O projeto que resultou neste Estatuto da Terra trazia uma mensagem que referia o seguinte:
[...] saliente a preocupação com a não-utilização produtiva de grandes extensões de terras por parte de seus proprietários. O fito especulativo faz com que a propriedade rural, em vez de ser um bem de produção, torne-se apenas um bem de valor, em desacordo com os interesses maiores da nação, que exige uma exploração racional visando a uma maior oferta de alimentos e, conseqüentemente, mais barata.[21]
Mas, afinal, o que é uma terra que cumpre com a função social? O artigo
186 da Constituição Federal estabelece quais os requisitos que devem
ser preenchidos para que a propriedade rural atenda a função social:
aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das
disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Cumpre
ressaltar, ainda, que o cumprimento de alguns desses elementos não é o
suficiente, à medida que a propriedade rural deve atender a todos os
elementos simultaneamente.
Dessa forma, uma propriedade que seja altamente produtiva, mas que não
utiliza os recursos naturais de forma adequada ou não respeita os
direitos laborais de seus trabalhadores, que não está cumprindo a sua
função social, não poderá ser, contudo, desapropriada, pois o legislador
constitucional protege a propriedade produtiva, mesmo que esta não
cumpra na íntegra sua função social, estabelecendo um conflito com o
disposto no artigo 184 da Carta Magna.
Ademais, engana-se quem pensa que o simples fato da propriedade ser
produtiva, ela atende sua função social. Não basta produzir e ser
utilizada de modo irracional e inadequado, descumprindo com a legislação
ambiental e trabalhista. Portanto, a finalidade da função social de
propriedade é impor o dever aos proprietários de tornar a propriedade
produtiva, explorando-a de forma racional, adequada e produtiva.
Assim, todo o proprietário que cumprir com a função social da sua
propriedade rural estará a salvo da desapropriação para fins de reforma
agrária. A função social, dessa forma, coloca a propriedade em submissão
ao interesse de toda a coletividade, passando a ser vista como um
elemento de transformação social. [22] Em outras palavras, a função social é a democratização da propriedade imóvel.
BALD, Júlia Schroeder. Da legitimidade passiva do MST nas ações de direito de propriedade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23729>. Acesso em: 20 fev. 2013.
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