De início, é importante saber que a internação aqui tratada é a espécie
do gênero medida socioeducativa, que está prevista no Estatuto da
Criança e do Adolescente (artigos 121 a 125). Não podemos confundir esta
espécie de internação com a prevista na Lei nº 10.216/01, que dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos
mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Esta segunda espécie de internação está em evidência na mídia,
principalmente após as drásticas medidas adotadas pelo Governo do estado
de São Paulo, mas não é o nosso objeto de discussão.
Os contornos legais para a aplicação da medida socioeducativa de
internação estão traçados basicamente no artigo 122 do Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, in verbis:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
Com se verifica, o legislador estabeleceu três espécies de internação,
quais sejam: a) internação provisória; b) internação definitiva; c)
internação sanção. Tais espécies, embora todas açambarcadas pelo gênero
internação, não se confundem por se distinguirem quanto a natureza,
finalidade, duração e momento processual em que aplicadas.
Internação provisória
O regramento da internação provisória encontra-se delineado nos artigos
108, 122, 174, 183 e 184 do ECA. Em sede doutrinária, a internação
provisória também é chamada de “atendimento acautelatório para
adolescente sem conflito com a lei”.
Ao longo do procedimento de apuração de ato infracional o adolescente
poderá permanecer internado provisoriamente. Esta internação se sujeita
ao prazo “improrrogável” de quarenta e cinco dias. A decisão deve ser
fundamentada, sob pena de nulidade – como todas as decisões judiciais
(CR, art. 93, inc. IX) –, basear-se em indícios suficientes de autoria e
materialidade, bem como demonstrar a necessidade imperiosa da medida.
Para encontrar a necessidade imperiosa da medida, devemos levar em
consideração a gravidade do ato e sua repercussão social que poderá
ensejar no risco da integridade pessoal do adolescente (conjugação com o
art. 174 do ECA).
Ainda que se argumente que a internação provisória foi decretada com o
fim de preservar os interesses do próprio adolescente internado,
resguardando-o das influências do meio em que estava inserido, jamais
podemos desconsiderar que a internação, mesmo que provisória, é medida
excepcional, que deve obediência aos princípios da brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente (CR, art.
227, § 3º, V).
A natureza cautelar implica compreendermos que na aferição da
necessidade imperiosa da medida, deve o julgador considerar se a não
aplicação desta medida extrema expõe ou não a risco de ineficácia o
provimento jurisdicional final, que é o escopo de todo o procedimento.
A internação provisória só pode ser decretada ao longo do processo em
que tramita a ação socioeducativa. Portanto, sua decretação pressupõe o
oferecimento da representação pelo Ministério Público e deve ser
decretada antes da prolação da sentença.
Segundo o art. 122 do ECA, a medida de internação só poderá ser
aplicada quando: I) tratar-se de ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência a pessoa; II) por reiteração no cometimento de
outras infrações graves; III) por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta.
Quanto a hipótese de internação prevista no item III, será tratada
quando falarmos da chamada internação sanção. Já as hipóteses dos itens I
e II versam sobre a internação decretada em sentença por prazo
indeterminado. A indagação que paira é no sentido de perquirir se as
duas hipóteses são ou não exigíveis como pressupostos para a decretação
da internação provisória. Cremos que sim, pois a razoabilidade nos leva a
concluir que a medida decretada ao longo do procedimento não pode ser
mais gravosa do que aquela que poderá ser decretada ao final do
procedimento. Em outras palavras, jamais podemos consentir que um
adolescente responda ao processo internado (momento que ainda paira
incerteza sobre a autoria e materialidade do ato infracional, decorrente
da presunção de inocência – garantia constitucional) e, ao final,
quando houver a certeza da autoria e materialidade do ato infracional, o
adolescente receba medida socioeducativa diversa da internação.
Exemplificando, um adolescente é surpreendido em flagrante de ato
infracional correspondente ao crime de tráfico de drogas, previsto no
art. 33, da Lei n° 11.343/06. A autoridade policial apreende o
adolescente e constata-se ele jamais teve passagens na vara da infância e
juventude. Considerando que o ato infracional não envolve grave ameaça
ou violência a pessoa, não há que se falar em internação provisória.
Qual a justificativa para manter o adolescente internado por quarenta e
cinco dias – quando ainda paira incerteza quanto ao cometimento da
infração –, se ao final do processo, ainda que em sede de cognição
exauriente o julgador conclua pela prática do ilícito, o adolescente não
possa ficar internado? Por certo que inexiste justificativa. Não há
razoabilidade. O comportamento é contraditório.
Em síntese, se não cabe internação definitiva não há espaço para
internação provisória. A jurisprudência ratifica o entendimento:
ATO INFRACIONAL. TRÁFICO. ENTORPECENTES. ART. 122, ECA. O ato infracional equiparado ao crime de tráfico de entorpecentes e não cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa não justifica a medida sócio-educativa de internação. O art. 122 do ECA enumera taxativamente as hipóteses em que pode ser decretada a internação do adolescente infrator, não estando previsto o ato infracional equiparado ao tráfico de entorpecentes, apesar de sua gravidade. Precedentes citados: HC 9.619-SP, DJ 7/2/2000; HC 12.343-SP, DJ 12/6/2000; HC 10.938-SP, DJ 24/4/2000, e RHC 10.175-SP, DJ 2/10/2000. (STJ. HC 14.518/SP. 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 28/11/2000).
O prazo de quarenta e cinco dias concatena-se ao prazo, também de
quarenta e cinco dias, previsto no art. 183 do ECA, para a conclusão do
procedimento (sindicância). Decorrido o prazo legal, mesmo que o
procedimento não tenha se findado, necessariamente o adolescente deverá
ser desinternado e colocado em regime de semiliberdade ou liberdade
assistida, sob pena de incorrer na tipificação penal prevista no art.
235 do ECA, cuja pena varia de seis meses a dois anos de detenção. Nesse
diapasão, a jurisprudência do STJ:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DO MENOR. EXCESSO DE PRAZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. 1. Consoante o disposto no art. 108, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90, a internação preventiva somente pode perdurar pelo prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, sendo que o seu elastério constitui, nos termos da jurisprudência dos Tribunais Pátrios, constrangimento ilegal, pois "em jogo a liberdade de locomoção daqueles a quem a Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e um particular conjunto normativo-tutelar (artigos 227 e 228 da Constituição Federal)" (STF - HC 93.784/PI, 1.ª Turma, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJ de 23/10/2009). 2. Evidenciada a impossibilidade da permanência da internação preventiva no caso, em que o adolescente encontra-se provisoriamente internado por lapso temporal superior ao legalmente permitido, sem que ter sido julgado. 3. "O excesso verificado – porque irrazoável – revela-se inaceitável (RTJ 187/933-934), ainda mais porque essa situação anômala não foi provocada pelo ora paciente, mas, isso sim, pelo aparelho de Estado" (STF - HC 96.629/PI–reconsideração, decisão monocrática, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 02/12/2008). 4. Recurso provido, para que seja assegurado ao Paciente o direito de permanecer em liberdade até a eventual prolação de sentença que determine a aplicação de medida sócio-educativa. (STJ. RHC 27268/RS. 5.ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz. DJ 15.03.2010).
Nada obstante, encontramos alguns julgados dando o beneplácito à
indevida manutenção da internação após o transcurso do prazo peremptório
de quarenta e cinco dias. Mas não podemos coadunar. Nem mesmo quando, à
pretexto de forjar a ilicitude, argumentam que a medida visa proteger a
integridade do próprio adolescente. Se o adolescente precisa de
proteção, outras medidas podem ser adotadas em seu favor, com programas
de proteção, a exemplo do Programa de Proteção a Criança e Adolescentes
Ameaçados de Morte (PPCAAM), instituído pelo Decreto Presidencial nº
6.231/07, cuja finalidade é proteger crianças e adolescentes expostos a
grave ameaça no território nacional.
O termo inicial da contagem do prazo é a data da apreensão do
adolescente. Durante os quarenta e cinco dias, o adolescente não poderá
permanecer em estabelecimento prisional. Se na comarca não houver
entidade exclusiva para adolescente, deverá ele ser imediatamente
transferido para a localidade mais próxima. Sendo impossível a pronta
transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição
policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações
apropriadas, não podendo ultrapassar, neste caso, o prazo máximo de
cinco dias, sob pena de responsabilidade.
O prazo de internação provisória deverá ser computado no prazo máximo
de internação definitiva, que é de três anos, a exemplo do que ocorre no
processo penal, com a chamada detração penal.
Interessante notar que o prazo legal atende à chamada duração razoável
do processo, que foi introduzida expressamente em nossa Constituição da
República com o advento da EC n° 45/04, acrescentando o inciso LXXVIII
ao artigo 5º.
Ao longo da internação provisória deverão ser obrigatoriamente
destinadas ao adolescente atividades pedagógicas (ECA, art. 123,
parágrafo único).
MIRANDA, Rafael de Souza. A medida socioeducativa de internação e o tráfico de drogas. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3511, 10 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23688>. Acesso em: 11 fev. 2013.
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