quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Separação obrigatória de bens na União Estável de maior de 70 anos

Outro aspecto do mencionado artigo 1.275, tratado recentemente pelo STJ, diz respeito à união estável quando um dos companheiros já possua idade superior a 70 anos e a aplicação ou não do regime de separação obrigatória de bens.
É válido lembrar que o direito de família brasileiro estabeleceu as seguintes possibilidades de regime de comunicação dos bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação obrigatória, separação voluntária e, ainda, participação final nos aquestos (bens adquiridos na vigência do casamento).
A obrigatoriedade da separação de bens no casamento já era prevista no Código Civil de 1916[7], para pessoas maiores de 70 anos, sendo tratada pelo artigo 1.641 do Código Civil atual. Com a alteração feita pela Lei 12.344 de dezembro de 2010, o regime da separação de bens passou a ser obrigatório no casamento de pessoa maior de 70 anos.
No Recurso Especial 646.259, julgado meses antes da promulgação da referida Lei 12.344/10, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, entendeu que, para a união estável, à semelhança do que ocorre com o casamento, é obrigatório o regime de separação de bens de companheiro com idade superior a sessenta anos.
No caso em si, a discussão se pautou sobre o conflito de entendimentos entre as instâncias sobre como deveria ser tratada a matéria. Com o falecimento de um dos companheiros (na época, com 64 anos e estando vigente o CC/16), o juiz determinou a separação obrigatória de bens e concedeu à companheira apenas a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, mediante comprovação do esforço comum.
Inconformada com a decisão, ela interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reformou a decisão afirmando que não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens “porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionantes. E, ainda que se entendesse aplicável ao caso o regime da separação legal de bens, forçosa seria a aplicação da súmula 377[8] do Supremo Tribunal Federal, que igualmente contempla a presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na constância da união”.
O espólio do companheiro apresentou recurso especial no STJ, argumentando que se aplicaria às uniões estáveis o regime obrigatório de separação de bens, quando um dos conviventes fosse sexagenário, como era o caso.
A partir daí, a discussão entre os ministros do STJ se deu a respeito dos limites de extensão do instituto da união estável em comparação ao casamento, pois, se argumentou que, caso se optasse pela liberdade de escolha do regime de bens para os sexagenários, seriam estabelecidos mais direitos aos conviventes do que aos cônjuges (referindo-se à união estável como um “instituto menor” que o casamento); e, ainda, que negar-se a interpretação jurisprudencial no mesmo padrão do legalmente estabelecido ao instituto do casamento seria inverter a hierarquia constitucionalmente sufragada.
Desse modo, concluíram os ministros que deve se ter em favor das uniões estáveis envolvendo sexagenários (e agora, septuagenários, por força da alteração da Lei 12.344 de dezembro de 2010!), a mesma previsão de regime de separação de bens obrigatória que a lei determina para os casados, em igual situação.
O entendimento dos ministros do STJ, nesse sentido, tem o intuito de evitar interpretações discrepantes da legislação que, em sentido contrário ao adotado pela corte, estimularia a união estável entre um casal formado, por exemplo, por um homem com idade acima de 70 anos e uma jovem de 25, para burlarem o regime da separação obrigatória previsto para o casamento na mesma situação.
Além disso, em que pese a tendência da defesa das pluralidades familiares, o ordenamento jurídico nacional ainda protege com maior empenho o instituto do casamento, e uma opção de escolha diferenciada de regime de bens para companheiros nessa circunstância poderia desestimulá-lo.
Nesse sentido, vale apontar trecho do entendimento do Ministro Massami Uyeda, ao julgar o REsp 1.090.722, “se para o casamento, que é o modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir uma família, há a limitação legal, esta consistente na imposição do regime da separação de bens para o indivíduo sexagenário que pretende contrair núpcias, com muito mais razão tal regramento deve ser estendido à união estável, que consubstancia-se em forma de constituição de família legal e constitucionalmente protegida, mas que carece das formalidades legais e do imediato reconhecimento da família pela sociedade”.
No entanto, de acordo com Uyeda, é preciso ressaltar que a aplicação do regime de separação obrigatória de bens precisa ser flexibilizado com o disposto na súmula 377/STF, “pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência”.
A interpretação aplicada por Uyeda foi firmada anteriormente na 3ª Turma pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento do REsp 736.627, no qual o ministro apontou que a evolução da jurisprudência, nesse sentido, tem se operado, porque “o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros”.
No mesmo sentido, em outro recente acórdão envolvendo sexagenário (REsp 1.171.820), a ministra Nancy Andrighi considerou presumido o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal durante a união estável, declarando não haver espaço para as afirmações do companheiro que alegava que a companheira não teria contribuído para a constituição do patrimônio a ser partilhado.
Para a ministra, “do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não há diferença no que se refere à partilha dos bens com base no regime da comunhão parcial ou no da separação legal contemporizado pela súmula 377 do STF”.
Por fim, quanto ao alcance da cautela da separação obrigatória de bens, não resta dúvida de que ela tem por objetivo, “proteger o patrimônio anterior” dos companheiros, “não abrangendo, portanto, aquele obtido a partir da união” (nos termos da manifestação do Ministro Menezes Direito, no REsp 736.627), de modo, assim, a serem compartilhados entre os conviventes, os bens adquiridos na vigência da união estável (como são os aquestos, no casamento), inclusive pelos maiores de 70 anos.

http://www.conjur.com.br/2013-set-03/sylvie-boechat-tribunais-aplicam-uniao-estavel-direitos-casamento

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