segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Built to suit: aspectos práticos da vontade de contratar

Muito ainda se indaga sobre a natureza real do contrato denominado "built to suit",  assim como ainda encontramos nos dias atuais, contestadores fiéis sobre a liberdade legalmente atribuída às cláusulas e condições desta modalidade de contrato, que, em verdade, não passa em breves palavras de um contrato de locação no qual consta o dever atribuído ao locador de disponibilizar a construção ou reforma que atenda especificamente às necessidades e finalidades de um determinado locatário.
Muitos questionam a natureza de referida contratação, atribuindo de maneira errônea à Lei 12.744/2012, um caráter inovador, tal como se a inclusão desta modalidade locatícia à Lei de Locações Urbanas (Lei 8.245/91) trouxesse ao mercado imobiliário e da construção civil preceitos e conceitos jamais anteriormente delineados.
Ocorre, no entanto, que referida modalidade contratual se mostra no contexto imobiliário nacional há muitas décadas, tendo, contudo, sido adotado entre um rol limitado de empreendedores, assim compreendidos não somente os locadores imbuídos por satisfazer as expectativas de pretensos locatários, como dos próprios inquilinos que via de regra adotam e exigem um padrão específico de projeto e modelo construtivo para o desempenho de suas atividades.
A título exemplificativo, mencionemos para melhor ilustração, uma franquia, seja uma escola de línguas, uma empresa do ramo de alimentação, um hipermercado, ou ainda multinacionais que tenham como parte integrante de sua "marca", um modelo de edificação próprio para suas instalações.
Sabido é que não há nada de recente o reconhecimento público de uma instituição financeira, não só pela logomarca que a identifica às vias públicas, mas pela uniformidade de suas agências. 
Pois bem. Dos exemplos acima citados e da fácil idealização que daí obtemos, conclui-se que surge o primeiro equívoco: sempre acreditamos que renomadas e reconhecidas marcas e empresas deteriam a propriedade de cada um dos imóveis em que se encontram instaladas.
O fato é que, especialmente na última década, no Brasil, essa premissa não mais corresponde à realidade.
Considerando a presumida solidez e estabilidade de locatários tais como os acima exemplificados,  empreendedores disponibilizam àqueles imóveis que lhes atendam as expectativas para futura instalação de suas unidades, mediante prévia construção ou reforma (ainda que por meio de terceiros), com o prévio ajuste da futura locação entre eles, empreendedores e locatários.
O contrato de que trata o presente, "built to suit", portanto, trata-se de uma locação por encomenda, precedida das edificações ou obras que, em um primeiro momento, se fazem necessárias ao atendimento  de um determinado locatário.
Nesse passo, o empreendedor (locador) dispõe-se em edificar ou reformar um imóvel próprio, um projeto especialmente elaborado para um certo locatário, considerando as atividades por este desenvolvidas, não sendo raro que empreendedor-locador adquira determinado imóvel eleito pelo contratante-locatário, para ali incorporar a obra especialmente planejada.
Uma vez eleito o imóvel em que se edificará ou que será objeto das reformas contratadas pelo futuro locatário, passa o empreendedor a investir na construção ou reforma contratada, pré-estabelecendo as partes contratantes a futura finalidade daquela edificação ou obra, pré-dispondo de prazos mínimos para que usufrua o contratante locatário da edificação encomendada.
 
Em um primeiro momento, chegamos à conclusão lógica de que não haveria qualquer conveniência para esta modalidade de contrato, caso não obtivesse o empreendedor o reembolso do investimento praticado para aquele específico locatário. Neste momento encontramos a natureza mista do contrato "built to suit", à medida em que, assiste ao empreendedor o direito ao ressarcimento da edificação ou reforma encomendadas.
Considerando a finalidade recíproca dos contratantes acerca da locação do imóvel eleito, tem-se que, ao longo desta locação, pelo prazo  inicial de vigência mutuamente estabelecido, assiste ao locador, portanto, o reembolso do investimento realizado, sendo por este período pré-ajustados locativos mensais, nos quais inserem-se valores periódicos para o devido reembolso. De forma que, enquanto não integralmente ressarcido, naquele período pré-determinado, não assiste ao locatário a rescisão do ajuste escrito, senão mediante o pagamento integral da construção ou reforma contratada, obrigação esta que somente restará superada, após o transcorrer do prazo previsto para o ressarcimento do empreendedor.
Desta forma, enquanto não cumprida pelo locatário o dever de pagamento pela "obra encomendada", impera nesta relação contratual o princípio da autonomia de vontades e liberdade dos contratantes. 
Dito princípio, como cediço, sempre teve por alicerce a legislação civil, que possui, como essência, ademais, os princípios da   boa-fé e lealdade das partes.
Entretanto, uma vez adimplida a contra-prestação pelo locatário, concernente à restituição do investimento praticado pelo locador, retoma o ajuste locatício suas características essenciais e típicas dispostas à Lei Especifica (Lei 8.245/91), exigindo que daí por diante, impere o equilíbrio contratual, equilíbrio este conferido pelo mesmo diploma legal referido, mediante aplicação imediata de todas as suas disposições e limitações.
Assim, ao contrário do que se possa parecer, não há na Lei 12744/2009, ao introduzir no bojo da Lei 8.245/91, o contrato "built to suit", qualquer inovação. Por uma análise meramente teleológica, afasta o Legislador qualquer dúvida quanto à atipicidade primeira e característica desta espécie de contrato ao assim dispor:
"Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta lei."
Complementa o legislador que, durante o prazo inicialmente contratado, impõe-se a observância do  princípio "pacta sunt servanda", através da redação do §2º do mesmo dispositivo legal acima transcrito:
"§ 2o  Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação."  
Por certo que o dispositivo ora em comento mereceria reparos, no sentido de clarear que "o termo final da locação" a que se refere, se consideraria aquele inicialmente pactuado como termo final para o ressarcimento do empreendedor locador, ajustado no momento da contratação, pois nada obsta aos contratantes que, findo aquele, optem pela renovação do ajuste por igual  período, ou prazo diverso, mediante repactuação de condições, que atendam o mercado de locações da ocasião, e a conveniência recíproca no momento da suposta renovação.
Nesta hipótese, peca o legislador ao não deixar expresso que em neste momento (de renovação) não mais há que se falar em ressarcimentos, mas apenas nas contra-prestações pela continuada cessão da posse, perdendo por conseguinte o art 54-A e seus parágrafos sua eficácia.
Por todo o acima exposto,  pela natureza do contrato em análise, e prevenindo-se qualquer indício de inexistência dos princípios norteadores da vontade inicial dos contratantes, indispensável, por óbvio, que venha o ajuste escrito originário redigido de forma clara e aparelhado com os projetos e cronogramas que orientam a conduta e iniciativa do empreendedor, devidamente reconhecidos e legitimamente anuídos pelo contratante, pretenso locatário.
Não pairam dúvidas, portanto, de que nada há de sombrio no chamado "built to suit", impondo-se apenas e tão somente aos contratantes as diligências mínimas e indispensáveis nos ajustes pré-contratuais, com a devida e satisfatória assistência sempre de profissionais jurídicos que lhes atendam na prevenção de futuros conflitos. 

CAPARELLI, Luciana. Built to suit: aspectos práticos da vontade de contratar. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3796, 22 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25928>. Acesso em: 25 nov. 2013.
 

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