Muito ainda se indaga sobre a natureza real do contrato denominado
"built to suit", assim como ainda encontramos nos dias atuais,
contestadores fiéis sobre a liberdade legalmente atribuída às cláusulas e
condições desta modalidade de contrato, que, em verdade, não passa em
breves palavras de um contrato de locação no qual consta o dever
atribuído ao locador de disponibilizar a construção ou reforma que
atenda especificamente às necessidades e finalidades de um determinado
locatário.
Muitos questionam a natureza de referida contratação, atribuindo de
maneira errônea à Lei 12.744/2012, um caráter inovador, tal como se a
inclusão desta modalidade locatícia à Lei de Locações Urbanas (Lei
8.245/91) trouxesse ao mercado imobiliário e da construção civil
preceitos e conceitos jamais anteriormente delineados.
Ocorre, no entanto, que referida modalidade contratual se mostra no
contexto imobiliário nacional há muitas décadas, tendo, contudo, sido
adotado entre um rol limitado de empreendedores, assim compreendidos não
somente os locadores imbuídos por satisfazer as expectativas de
pretensos locatários, como dos próprios inquilinos que via de regra
adotam e exigem um padrão específico de projeto e modelo construtivo
para o desempenho de suas atividades.
A título exemplificativo, mencionemos para melhor ilustração, uma
franquia, seja uma escola de línguas, uma empresa do ramo de
alimentação, um hipermercado, ou ainda multinacionais que tenham como
parte integrante de sua "marca", um modelo de edificação próprio para
suas instalações.
Sabido é que não há nada de recente o reconhecimento público de uma
instituição financeira, não só pela logomarca que a identifica às vias
públicas, mas pela uniformidade de suas agências.
Pois bem. Dos exemplos acima citados e da fácil idealização que daí
obtemos, conclui-se que surge o primeiro equívoco: sempre acreditamos
que renomadas e reconhecidas marcas e empresas deteriam a propriedade de
cada um dos imóveis em que se encontram instaladas.
O fato é que, especialmente na última década, no Brasil, essa premissa não mais corresponde à realidade.
Considerando a presumida solidez e estabilidade de locatários tais como
os acima exemplificados, empreendedores disponibilizam àqueles imóveis
que lhes atendam as expectativas para futura instalação de suas
unidades, mediante prévia construção ou reforma (ainda que por meio de
terceiros), com o prévio ajuste da futura locação entre eles,
empreendedores e locatários.
O contrato de que trata o presente, "built to suit", portanto, trata-se
de uma locação por encomenda, precedida das edificações ou obras que,
em um primeiro momento, se fazem necessárias ao atendimento de um
determinado locatário.
Nesse passo, o empreendedor (locador) dispõe-se em edificar ou reformar
um imóvel próprio, um projeto especialmente elaborado para um certo
locatário, considerando as atividades por este desenvolvidas, não sendo
raro que empreendedor-locador adquira determinado imóvel eleito pelo
contratante-locatário, para ali incorporar a obra especialmente
planejada.
Uma vez eleito o imóvel em que se edificará ou que será objeto das
reformas contratadas pelo futuro locatário, passa o empreendedor a
investir na construção ou reforma contratada, pré-estabelecendo as
partes contratantes a futura finalidade daquela edificação ou obra,
pré-dispondo de prazos mínimos para que usufrua o contratante locatário
da edificação encomendada.
Em um primeiro momento, chegamos à conclusão lógica de que não haveria
qualquer conveniência para esta modalidade de contrato, caso não
obtivesse o empreendedor o reembolso do investimento praticado para
aquele específico locatário. Neste momento encontramos a natureza mista
do contrato "built to suit", à medida em que, assiste ao empreendedor o
direito ao ressarcimento da edificação ou reforma encomendadas.
Considerando a finalidade recíproca dos contratantes acerca da locação
do imóvel eleito, tem-se que, ao longo desta locação, pelo prazo
inicial de vigência mutuamente estabelecido, assiste ao locador,
portanto, o reembolso do investimento realizado, sendo por este período
pré-ajustados locativos mensais, nos quais inserem-se valores periódicos
para o devido reembolso. De forma que, enquanto não integralmente
ressarcido, naquele período pré-determinado, não assiste ao locatário a
rescisão do ajuste escrito, senão mediante o pagamento integral da
construção ou reforma contratada, obrigação esta que somente restará
superada, após o transcorrer do prazo previsto para o ressarcimento do
empreendedor.
Desta forma, enquanto não cumprida pelo locatário o dever de pagamento
pela "obra encomendada", impera nesta relação contratual o princípio da
autonomia de vontades e liberdade dos contratantes.
Dito princípio, como cediço, sempre teve por alicerce a legislação
civil, que possui, como essência, ademais, os princípios da boa-fé e
lealdade das partes.
Entretanto, uma vez adimplida a contra-prestação pelo locatário,
concernente à restituição do investimento praticado pelo locador, retoma
o ajuste locatício suas características essenciais e típicas dispostas à
Lei Especifica (Lei 8.245/91), exigindo que daí por diante, impere o
equilíbrio contratual, equilíbrio este conferido pelo mesmo diploma
legal referido, mediante aplicação imediata de todas as suas disposições
e limitações.
Assim, ao contrário do que se possa parecer, não há na Lei 12744/2009,
ao introduzir no bojo da Lei 8.245/91, o contrato "built to suit",
qualquer inovação. Por uma análise meramente teleológica, afasta o
Legislador qualquer dúvida quanto à atipicidade primeira e
característica desta espécie de contrato ao assim dispor:
"Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção
ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então
especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado
por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas
no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta
lei."
Complementa o legislador que, durante o prazo inicialmente contratado,
impõe-se a observância do princípio "pacta sunt servanda", através da
redação do §2º do mesmo dispositivo legal acima transcrito:
"§ 2o Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo
locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não
excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo
final da locação."
Por certo que o dispositivo ora em comento mereceria reparos, no
sentido de clarear que "o termo final da locação" a que se refere, se
consideraria aquele inicialmente pactuado como termo final para o
ressarcimento do empreendedor locador, ajustado no momento da
contratação, pois nada obsta aos contratantes que, findo aquele, optem
pela renovação do ajuste por igual período, ou prazo diverso, mediante
repactuação de condições, que atendam o mercado de locações da ocasião, e
a conveniência recíproca no momento da suposta renovação.
Nesta hipótese, peca o legislador ao não deixar expresso que em neste
momento (de renovação) não mais há que se falar em ressarcimentos, mas
apenas nas contra-prestações pela continuada cessão da posse, perdendo
por conseguinte o art 54-A e seus parágrafos sua eficácia.
Por todo o acima exposto, pela natureza do contrato em análise, e
prevenindo-se qualquer indício de inexistência dos princípios
norteadores da vontade inicial dos contratantes, indispensável, por
óbvio, que venha o ajuste escrito originário redigido de forma clara e
aparelhado com os projetos e cronogramas que orientam a conduta e
iniciativa do empreendedor, devidamente reconhecidos e legitimamente
anuídos pelo contratante, pretenso locatário.
Não pairam dúvidas, portanto, de que nada há de sombrio no chamado
"built to suit", impondo-se apenas e tão somente aos contratantes as
diligências mínimas e indispensáveis nos ajustes pré-contratuais, com a
devida e satisfatória assistência sempre de profissionais jurídicos que
lhes atendam na prevenção de futuros conflitos.
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