domingo, 18 de março de 2018

Se não houver indicação, seguro de vida deve ser pago ao último companheiro

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Em sede de seguro de vida, há uma discrepância na lei para lá de inconstitucional. Quando o titular morre, sem ter indicado beneficiário na apólice, o legislador elege o cônjuge não separado judicialmente como favorecido. Concede-lhe metade do valor do seguro. O restante, aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem de vocação hereditária (CC 792).
Na união estável, a concessão do benefício está sujeita a dupla condição (CC 793): que o contrato seja firmado depois de o tomador estar separado de fato e que o companheiro conste como seu beneficiário. Ou seja, só é contemplado se foi expressamente indicado em seguro instituído depois do fim do casamento do segurado.
Não atendidas essas duas exigências, a indenização é paga ao ex-cônjuge, que recebe o capital segurado simplesmente por não ter sido formalizada a dissolução do casamento. Ora, de há muito está pacificado que a separação de fato sela o término do casamento, não sobrevivendo quaisquer direitos ou deveres entre ex-cônjuges[1]. De outro lado, a expressão "não separado judicialmente" não dispõe de qualquer significado, eis que o instituto da separação judicial foi excluído do panorama jurídico[2]. Logo, depois da separação de fato, não há como conceder direito algum nem a ex-cônjuge nem a ex-companheiro.
O Superior Tribunal de Justiça, buscando uma solução salomônica — mas distanciada do que diz a lei — atribuiu um quarto do capital segurado à ex-mulher e um quarto à companheira, sendo o restante pago aos herdeiros[3].
É imperioso reconhecer que existe uma lacuna na lei no que diz com o companheiro sobrevivente, quando não há indicação do beneficiário. No entanto, o reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar (CF, artigo 226, parágrafo 3º) é o que basta para impedir que a omissão legal sirva para conceder privilégio a quem nem mais estava casado com o segurado.
Agora, não mais subsiste qualquer resquício de dúvida sobre a equiparação entre casamento e união estável. Foi espancada pelo Supremo Tribunal Federal, que, em sede de repercussão geral, proclamou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil[4]. Mas a decisão foi além. Consta da própria ementa: não é legítimo desequiparar cônjuges e companheiros; a hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. E conclui o ministro Luis Roberto Barroso: discriminar os companheiros, dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos aos cônjuges, entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso[5].
Ou seja, a equiparação levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal não se limita à concorrência sucessória. Vai além. Enlaça todas as hipóteses em que se verifica eventual discriminação entre cônjuges e companheiros. Ainda que o seguro de vida esteja fora do âmbito do Direito Sucessório, sua eficácia está sujeita a condição suspensiva — o evento morte. Ainda assim, o companheiro não pode ser reconhecido como beneficiário somente quando indicado como tal ao tempo da contratação do seguro.
Quer pelo fim do instituto da separação, quer por a separação de fato romper o casamento, não pode subsistir a desequiparação consagrada nos artigos 792 e 793 do Código Civil. Está maculada de inconstitucionalidade. Quem convivia com o instituidor à data de sua morte — cônjuge ou companheiro — é que pode se beneficiar do seguro. Independentemente de quando o contrato foi firmado, se antes ou depois da separação do segurado. Não é possível consagrar enriquecimento sem causa. De todo descabido deferir o seguro a quem não mais convive com o segurado, deixando de beneficiar a pessoa que com ele mantinha uma entidade familiar[6].
Voltaire Marensi vai além. Sugere que o seguro seja pago, em sua integralidade, a quem vivia com o segurado, mantendo-se o parágrafo único do artigo 792 do CC, única hipótese em os herdeiros seriam contemplados com a metade do capital segurado[7].
A consagração constitucional do princípio da afetividade, como elemento constitutivo dos elos de convivência, faz com que, na falta de indicação de beneficiário na apólice, seja contemplado com a indenização securitária quem dividiu a vida com outro alguém até sua morte.


[1] IBDFAM – Enunciado 2: A separação de fato põe fim ao regime de bens e importa extinção dos deveres entre cônjuges e entre companheiros.
[2] A Emenda Constitucional 66/2010 deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da CF.
[3] STJ, REsp 1.401.538- RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decisão monocrática de 14/8/2015.
[4] STF - Tese 498: É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002 (RE 646.721 e RE 878.694).
[5] STF, RE 646.721/RS, rel. min. Marco Aurélio, rel. p/ acórdão, min. Luis Roberto Barroso. j. 10/5/2017.
[6] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 11ª ed., 2017, p. 241.
[7] MARENSI, Voltaire. A união estável e o seguro de pessoa(www.conjur.com.br)
Maria Berenice Dias é advogada especializada em Direito de Família, das Sucessões e Homoafetivo, além de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).
Revista Consultor Jurídico, 28 de fevereiro de 2018, 6h21
https://www.conjur.com.br/2018-fev-28/maria-berenice-dias-ultimo-companheiro-dever-receber-seguro-vida
Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/papel-documento-neg%C3%B3cios-escrito-3224639/

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