domingo, 18 de março de 2018

Legitimidade neoconstitucional ciberdemocrática e efetividade da iniciativa popular eletrônica de lei

1 INTRODUÇÃO

O alavancamento dos movimentos constitucionalistas ao longo da história se perfez como importante mecanismo para o desenvolvimento do próprio conceito de Estado.

Será visto neste artigo o caminhar de correntes constitucionais no território brasileiro, do classicismo, passando pela modernidade até a chegada da contemporaneidade, com o denominado “Neoconstitucionalismo”.

Em seguida, abordar-se-á o regime democrático de governo, com breves aspectos históricos, evolutivamente chegando a um estágio que se passa a conceituar como “ciberdemocracia”.

Posteriormente, será possível constatar que a ciberdemocracia no cenário nacional é fruto das evoluções tecnológicas, sobretudo a partir do surgimento da internet como fenômeno globalizante e culturalmente integrador, chegando a ser elaborada uma legislação própria para regular o ambiente virtual, o Marco Civil da Internet.

Paralelamente e dentro da esfera democrática regente do governo brasileiro, tem-se o instrumento constitucional da Iniciativa Popular de Lei como consubstanciador da soberania direta exercida pelo povo.

Porém, no palco da ciberdemocracia é possível adpatar o instrumento da iniciativa popular a um meio eletrônico-virtual, a fim de possibilitar ao cidadão agir mais proativamente no seu meio social e junto ao seu governo.

Destarte, verificar-se-á que a iniciativa popular eletrônica de lei possui guarida constitucional e importará em valiosa ferramenta incrementadora e de aperfeiçoamento da (ciber)democracia.

2 BREVE ESCORÇO SOBRE OS MOVIMENTOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL

Brevemente, tem-se que, sob o aspecto histórico, sempre prevaleceu a ideia da existência de uma norma jurídica superior que viesse a ser base estruturante do próprio Estado. Sobre este aspecto limitativo-estruturante, pode-se afirmar que assim se dirigia o denominado Constitucionalismo Clássico, com origens remontando aos povos da antiguidade classicista onde reinava a teocracia estatal absolutista.

Passando-se à modernidade, a partir do final do século XVIII, visando contrapor à ideia de um Estado absoluto, emergem-se correntes revolucionárias, as quais buscavam barrar o arbítrio do absolutismo estatal e limitar seu poder, para implementar uma nova ótica de cunho mais liberal.

Assim, tomando-se por base a criação das Constituições Americanas de 1787 e Francesa de 1791, opera-se um novo movimento constitucional, denominado de Constitucionalismo Moderno, cujos textos constitucionais resumiam-se no estabelecimento de normas acerca da organização do Estado, do exercício e da limitação do poder estatal, assegurada pela enumeração de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e pela separação dos poderes. Eis neste ponto o surgimento dos chamados direitos fundamentais de 1ª dimensão (ou direitos negativos-liberais).

Posteriormente, iniciando-se o século XX, vê-se a necessidade de serem harmonizadas oportunidades entre os indivíduos, de vez que a pura e simples isonomia no seu aspecto formal não mais estava servindo ao momento vivenciado, qual seja o agravamento da ideologia socialista. E, a partir de então, desenvolveu-se a 2ª dimensão dos direitos fundamentais, precisamente com as Constituições Mexicana de 1917 e Alemã de 1919, nas quais foram insculpidos os direitos sociais, econômicos e culturais, pautados no ideal da igualdade material.

Passam, pois, os entes políticos a executar políticas públicas tendentes a garantir a fruição de direitos como a saúde, a moradia, a previdência, a educação. A partir de então, inaugura-se mais uma fase constitucional, agora tratada como o Constitucionalismo Contemporâneo.

Todo esse movimento evolutivo, pautado pela dinamicidade jurídico-político-social, pode ser denominado de Constitucionalismo, diante das diversas fases históricas percorridas.

Em se tratando do território brasileiro, o Constitucionalismo Contemporâneo floresce a partir do estabelecimento da Constituição Federal de 1934, tendo como fonte de inspiração a Constituição Alemã de 1919.

Neste movimento contemporâneo, passa-se também a se preocupar com os interesses meta/trans-individuais, incluídos os direitos difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. Constata-se, agora, a 3ª dimensão dos direitos fundamentais, marcados pelo ideal de solidariedade, a exemplo do direito ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento, ao progresso da humanidade, à paz.

Como se pode observar, este “novo” Constitucionalismo ou, como alguns sugerem, o “Neoconstitucionalismo”, perfaz-se como um movimento de certa forma recente que também busca formas de legitimação popular no processo de modificação constitucional, isto é, além de ser fulcrado nos ideais de igualdade, fraternidade, solidariedade, opõe-se ao clássico modelo racional de imutabilidade textual, que se dirigia unicamente a estrutura um Estado.

Vale frisar, porém, que, a despeito da recorrente utilização de prefixos como “novo”, “neo”, ou qualitativos como “contemporâneo”, “atual”, “corrente”, ligados ao termo Constitucionalismo, em verdade, o que há são tão-somente fases históricas de aperfeiçoamento do movimento constitucionalista, de maneira que o fenômeno Constitucionalismo é um só, apenas com variações de ideais e conceitos no seu caminhar.

Diga-se, inclusive, que esta “nova ideia” de Constitucionalismo une a noção de Constituição enquanto norma fundamento de garantia, com a noção de norma diretiva fundamental, erguendo-se, com isso, sustentáculos como a democracia os direitos fundamentais, lastreando-se na garantia da efetivação de políticas públicas eficazes visando alcançar objetivos fundamentais da República, os quais são previstos no próprio corpo dos artigos 1º e 2º, ambos da Constituição Federal.

Neste diapasão, vale destacar dois doutrinadores que traduzem correntes, aparentemente antagônicas entre si, mas de certa forma complementares, com o intuito de melhor expor o modelo constitucional, como sendo alemão Jürgen Habermas e o norte americano Ronald Dworkin.

Sob a ótica de Habermas, a partir de uma visão procedimentalista, à Constituição é reservada uma função mínima, materialmente falando. Desta forma, a Lei Maior não poderia subtrair a legitimidade futura para propor novos valores e novos objetivos constitucionais.[1]

Doutra banda, Dworkin, como também Jhon Hart, ao tratar do pensamento norte-americano, é sustentada a corrente de que à Constituição cabe apenas impor um conjunto de decisões valorativas que sejam essenciais, ou seja, propõe-se que a mesma seja determinadora de metas políticas e de valores fundamentais compromissados pelo texto constitucional, não sendo permitido ao futuro a intervenção no esquema político-axiológico já posto.[2]

O que se pode notar dessas correntes e do caminhar histórico do constitucionalismo é um ponto convergencial de que sempre se buscou a luta contra o arbítrio do poder, balizando-se por uma limitação governamental indispensável à garantia de direitos, estruturando a organização político-social de uma comunidade, parafraseando José Joaquim Gomes Canotilho.[3]

Para garantir este abalizamento, mister o envoltamento da concepção constitucional do conceito de hierarquia ou supremacia. Tal supremacia, por sua vez, estaria assegurada pelo Poder Judiciário, como já pregavam os ideais iluministas em face do absolutismo dantes reinante.

Remonta-se, desta atuação judiciária, à própria Revolução Francesa, a qual trouxe nas suas entranhas a organização estrutural do Estado por meio da separação dos poderes, além da previsão de direitos e garantias fundamentais, como notadamente se percebe da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Todavia, a Constituição Francesa, ao contrário da Constituição Norte-Americana, não era apenas fulcrada na limitação de regras ou esquemas organizacionais, pois já concebia em si como um projeto político, almejava também promover uma transformação política e social.

Diante dessa análise, tem-se que, visando a perpetuação da ideologia liberal de Estado, por intermédio das leis, vem à tona o positivismo jurídico. Certo, porém, que tal corrente positivista, ao infirmar que o Direito estaria apenas na norma jurídica, independente de sua correspondência com a própria Justiça, impossibilitou o controle dos abusos legislativos.

Neste sentido, é dizer que, como positivismo não se preocupava com o conteúdo da norma, desde que a validade da lei estivesse de acordo com os procedimentos estabelecidos para sua criação, tal fato, acabou por justificar até mesmo estruturas dos governos totalitários, os quais, como registrados nos anais históricos, em meados do século XX acarretaram diversas atrocidades, mormente durante a Segunda Guerra Mundial.

Em razão disso, retomando o que foi dito acima, nasceu-se uma “nova” dogmática constitucional, diga-se mais humanizada, centralizada na Dignidade da Pessoa Humana como valor jurídico supremo, dotando o ser humano como ponto principal de todo o ordenamento jurídico.

E, por assim dizer, o Constitucionalismo Contemporâneo conjugou a ideia de garantia jurisdicional, tomado pela influência norte-americana, com o forte conteúdo normativo, imbricada de exacerbada tutela de direitos fundamentais oriundo do modelo francês.

Nesses passos, readequou-se o conceito de Constituição, onde passou-se a se consagrar um vasto rol de direitos fundamentais e uma observância da força normativa constitucional, em que os princípios ganharam força normativa, verdadeiros mandamentos de otimização.[4]

Como consectário direto deste novo movimento constitucional, naturalmente houve uma modificação dos poderes instituídos, tomando-se como exemplo o Poder Judiciário, em que passa a discutir grandes processos de judicialização das mais variadas matérias, como políticas públicas, saúde, governança, processos legislativos, relações sociais intersubjetivas, dentre outros.

Por assim dizer, pode-se até mesmo manter a ideia de que se faz imperiosa uma releitura de todos os ramos do Direito, agora sob a ótica da Constituição, realizando-se uma verdadeira filtragem constitucional, surgindo temas como “Direito Civil Constitucional”, “Processo Constitucional”, “Mandamentos Constitucionais de Penalização”, “Direito Econômico à luz da Constituição”.

Assim, o ora Estado Contemporâneo caracteriza-se como promotor da ampliação de mecanismos de participação social-democrática, ampliando-se por dizer o próprio conceito de democracia que vai além do aspecto formal para também uma dimensão material, visando o respeito e a efetividade dos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

Destarte, por sua vez, o Constitucionalismo Contemporâneo se realiza como fenômeno jurídico-histórico-cultural que pode ser avaliado sob dois pontos principais: a superação do positivismo jurídico, em que os direitos fundamentais são princípios idôneos e estruturantes, mas submetidos ao método da ponderação para sua aplicação; doutra banda, tem-se que um reforço ao positivismo jurídico, no que diz respeito à separação entre o direito da moral, identificando que os direitos fundamentais apresentam natureza dúplice e princípios reguladores independente da moral.

Esse foi um breve histórico que retratou a evolução do Estado Liberal ao Estado Social, do constitucionalismo antigo ao contemporâneo, dos direitos fundamentais de primeira geração aos direitos fundamentais de terceira geração.

3 DA DEMOCRACIA À CIBERDEMOCRACIA

Classicamente, o termo “Democracia” se origina da Grécia, “demokratía”, sem que “demos” significa “povo” e “kratos” poder. Tem-se, assim, em breve síntese, tratar-se de um regime político cuja soberania é exercida pelo povo, através do sufrágio universal, instrumentalizado pelo voto.

Seguindo-se, constata-se que as nações mundiais ao longo do tempo tendem cada vez mais a se integrarem a nível cultural, monetário, idiomático, enfim, pautando-se por um verdadeiro processo de natureza econômico-social integrativo entre os diversos povos do mundo, em que os atores sociais trocam ideias, realizam transações financeiras e comerciais, espalham e expandem aspectos culturais em todo o planeta, criando-se uma verdadeira rede de conexões, que deixam as distâncias cada vez mais curtas, facilitando as relações culturais e econômicas de forma rápida e eficiente. Eis o conceito formacional do termo “globalização”.

Por assim dizer, novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são desenvolvidas, destacando-se, indubitavelmente, a “Internet”. Esta última, surgindo a partir de pesquisas militares, tinha como um dos propósitos o de armazenar grande quantidade de informações e transmiti-las a redes interconectadas. Com o passar do tempo ela foi saindo da exclusiva esfera militar e se disseminando em outros ramos civis, políticos, sociais, sobretudo na era da globalização.

Diante deste cenário globalizante, ligado por uma rede mundial de informações, surge a necessidade de relativização/mitigação ou aprimoramento da própria Democracia Clássica, ante o novo espaço que se vive, precisamente o denominado “espaço virtual”, desenvolvendo-se neste novo campo a ideia de “ciberdemocracia”, denotando-se a partir da emergência da internet e da participação direta do cidadão na política mediante o uso das novas tecnologias.

A ciberdemocracia consiste, pois, na construção de caminhos e instrumentos de debate por meio de um traço dialógico estabelecido entre o indivíduo e o Estado a fim de se alcançar políticas decisórias em que a ingerência popular perfaz-se mais real em sua prática.

Neste diapasão, são vislumbradas novas ferramentas de cunho comunicativo-tecnológicas, a exemplo da utilização de websites por meio da internet para propagar informações em geral, valendo-se inclusive como importante mecanismo pedagógico de estímulo ao leitor virtual a ter uma visão crítica sobre a política nas suas diversas facetas.

Eis alguns dos aspectos no atual estágio da ciberdemocracia que se vivencia na hodiernidade, estágio esse que, no Brasil, possui regulações legislativas deveras importantes, como veremos adiante.

4 CIBERDEMOCRACIA E MARCO CIVIL DA INTERNET

Definido o conceito de ciberdemocracia, observa-se que no território brasileiro a mesma se desenvolve sob vários aspectos e, como destaque, pode-se referenciar o processo de construção legislativa da Lei Federal nº 12.965 de 23 de abril de 2014.

A Lei Federal nº 12.965/2014, também denominada de “Marco Civil da Internet”, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres dos usuários da Internet no Brasil.

A mencionada Lei foi a primeira elaborada de forma colaborativa entre Governo e sociedade civil, comunidade empresária e representantes de várias escolas técnicas e acadêmicas, utilizando a internet como plataforma de debate, por meio de colaboração on-line direta e aberta.

Além de realização de Audiências Públicas para sua consecução, o Marco Civil da Internet foi pautado em discussões púbicas através do portal “e-Democracia”, da Câmara dos Deputados, onde, segundo consta, o texto obteve cerca de quarenta e cinco mil visitas, quase dois mil duzentos e quinze mil comentários e trezentas e setenta e quatro propostas, tendo sido a primeira vez na Câmara dos Deputados que um relatório utilizou sugestões enviadas pela internet e suas redes sociais.

No Estado da Paraíba, por exemplo, precisamente em sua Capital (cidade de João Pessoa), foi criado um aplicativo que facilita o exercício da democracia direta pelo meio tecnológico, onde se faz possível a propositura popular projetos de lei sem intermediação de qualquer parlamentar, bastando o acesso ao “app” no smartfone. O referido aplicativo já é regulamentado pela Lei Municipal nº 13.041/2015, de iniciativa do vereador Lucas de Brito.

Como se vê, a Lei Federal supraindicada não é apenas um marco da internet, mas também do próprio processo legislativo brasileiro, valendo-se do fenômeno ciberdemocrático diante de todo o debate realizado antes e durante a tramitação no Congresso Nacional e já gerando reflexos nos parlamentos estaduais e municipais por todo o país.

Certamente essa novel forma de construção legislativo-participativa seguirá como exemplo e modelo conformador da soberania e da própria vontade popular em si.

5 O INSTRUMENTO DEMOCRÁTICO DA INICIATIVA POPULAR DE LEI

A Constituição Federal de 1988 traz um valioso instrumento democrático denominado de “iniciativa popular de lei”, consistindo na possibilidade de a própria população interessada, diretamente, elaborar projetos legislativos para regular a sociedade, com regulamentação pela Lei Federal nº 9.708/1988 (apelidada de “Lei da Soberania Popular”).

Na esfera federal, a sociedade poderá apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados desde que a proposta seja assinada por um número mínimo de cidadãos distribuídos por pelo menos cinco Estados brasileiros. Eis o teor do disposto no artigo 61, § 2º, da Constituição Federal:


A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Um vez atendida a exigência constitucional, o projeto deve ser protocolizado junto à Secretaria-Geral da Mesa da Câmara Federal, obedecendo ao disposto no artigo 252 e seguintes, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Já a nível estadual e municipal também é possível a proposta de iniciativa popular de lei, bastando, em caso de proposta estadual, a subscrição de pelo menos 1% do eleitorado e nos municípios, de 5% do total dos eleitores, como dispõe o artigo 29, VIII, da Constituição Federal.

Em qualquer caso, porém, é necessário que o projeto de lei seja claro e coerente para enfim ser passível de aprovação nas respectivas casas legislativas. Para tanto, há inicialmente uma fase constitutiva onde a proposta elaborada (anteprojeto) é levada ao parlamento para discussões, passando-se, a nível federal, por ambas as Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado), bem como pelas respectivas Comissões como qualquer outro projeto de Lei; superada a fase deliberativa, é levada ao Chefe do Poder Executivo para enfim apor sanção ou veto ao projeto.

Importante observação a ser feita é que a Constituição Federal não prevê a iniciativa popular para apresentação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC’s), mas apenas de propostas de Lei.

Nota-se, com isso, que a iniciativa popular de lei reflete um dos pilares democráticos que é a efetiva participação popular na vida política da sociedade e, nos moldes ciberdemocráticos também terá seus reflexos na era globalizante, cabendo-nos questionar, por fim, se no mundo virtual este instrumento democrático da soberania popular encontraria amparo e resguardo constitucional.

6 CONSTITUCIONALIDADE DA SOBERANIA POPULAR PELA CIBERDEMOCRACIA DIRETA

Feita essa abordagem do fenômeno globalizante, onde foi tratado precisamente o ambiente da virtualização das relações, tendo a internet como mote da revolução informacional e culturalista, como também o instrumento da iniciativa popular de lei como importante mecanismo de participação popular no cenário ciberdemocrático, resta definir se a participação popular na elaboração legislativa por meio do ambiente virtual possui guarida na Constituição Republicana de 1988.

Primeiramente, cabe frisar importantes projetos que tramitam no Congresso Nacional, sendo o Projeto de Lei nº 84/2011 e o Projeto de Regulamentação nº 68/2011. Ambos abordam, em linhas gerais, a previsão constitucional de participação direta da população na iniciativa legislativa, utilizando-se da internet como ambiente de coleta de dados, informações, opiniões.

Tais Projetos tomam como fundamentos a crise da democracia representativa, com a deficiência do uso dos instrumentos populares constitucionais como o plebiscito, referendo e a iniciativa popular como formas de organização direta; e que a iniciativa popular enseja aos cidadãos a oportunidade de apresentar ao Poder Legislativo um projeto normativo de interesse coletivo, o qual pode, após percorrer o devido trâmite, transformar-se em Lei e passar a reger as relações para as quais foi construída.

Os mencionados Projetos denotam a viabilidade de ligação entre o instrumento constitucional da iniciativa popular de lei e o atual estágio realista- virtual que se vivencia, ligação esta que terá como meio virtual o website do respectivo poder Legislativo, bastando que os cidadãos estejam em gozo de todos os seus direitos políticos.

Em síntese, de acordo com os referidos Projetos, a proposição será viabilizada, ao menos a nível federal, pelos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, onde serão disponibilizados links para elaboração dos anteprojetos de iniciativa popular que tenham sido encaminhados eletronicamente, subscritos por 0,04% do eleitorado nacional, assinados eletronicamente pelos cidadãos devidamente identificados com seus qualificativos pessoais.

Pois bem, questiona-se se esse modo de participação popular pela via eletrônica seria de fato um instrumento de base constitucional ou, melhor dizendo, se há constitucionalidade nessa forma de elaboração legislativa.

Certificar a constitucionalidade de um ato normativo é constatar se o mesmo está em conformidade com os mandamentos contidos na Constituição Federal, esta que serve como parâmetro de controle.

Nesses passos, tomando-se por base o aspecto formal do sentido de Constituição, ou seja, de que a mesma é detentora de superioridade/hierarquização normativa, estando no topo da cadeia legislativa, configurando-se como o Texto Maior, fundamento de validade de todas as espécies infraconstitucionais, logo, no cume do esquema piramidal adotado nacionalmente no artigo 59, da Constituição, aferir a constitucionalidade de um ato é justamente vislumbrar sua conformidade com os mandamentos constitucionais.

É certo que o instrumento da iniciativa popular de lei possui plena expressão constitucional, por estar contido no artigo 61, § 2º, da Constituição Federal. Porém, nela não consta a possibilidade de este mecanismo poder ser exercido pelo meio eletrônico-virtual, ou seja, no ambiente cibernético ou, como dissemos acima, ciberdemocrático.

No mesmo diploma Constitucional, tem-se, no seu artigo 1º, I, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a soberania. Ademais, no artigo 3º, II, por sua vez, estabelece como objetivos da República garantir o desenvolvimento nacional. Outrossim, no artigo 218, dispõe que o Estado deverá promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação, tudo a fim de acompanhar o crescimento da sociedade.

Os Projetos nº 84/2011 e nº 68/2011, acima delineados, buscam regulamentar a iniciativa popular eletrônica de lei, pois, como dito, é um meio que melhor reflete o momento globalizado que se vive, vale dizer, o cenário tecnológico instaurado desde a criação da internet na década dos anos noventa.

Tais Projetos almejam tão-somente que o Estado possa acompanhar a evolução tecnológica, oriunda da revolução cibernética, a fim de que os instrumentos democráticos trazidos na Constituição Federal de 1988 não possam restar obsoletos ou inúteis.

A iniciativa popular eletrônica de lei não encontra qualquer óbice ou barreira no Texto Constitucional, pelo contrário, o mesmo reforça sua ideia, como visto nos dispositivos constitucionais supradeclinados.

Logo, o exercício da soberania popular por meio da ciberdemocracia direta, ou seja, através da iniciativa popular eletrônica de lei, possui amparo constitucional e configura verdadeiro instrumento de participação social, refletora dos anseios sociais, cujos Projetos regulamentadores também são detentores de incentivo constitucional e, por tais razões deve ser assegurada sua aprovação e posterior vigência a nível nacional, sem prejuízo da seara regional e local.

7 CONCLUSÃO

Conforme visto anteriormente, os movimentos Constitucionais no Brasil seguiram fortes influências de correntes externas ao território nacional, perfazendo todo um caminhar histórico-político-social até a chegada do Neoconstitucionalismo ou Constitucionalismo Contemporâneo.

Outrossim, ao passo que o esquema constitucional do Estado brasileiro foi evoluindo, também seguiu-se o desenvolvimento do próprio regime democrático de governo, acompanhando os progressos sociais, adaptando-se mormente às novas tecnologias.

Viu-se, com isso, que a internet surgiu como importante norte para a consecução da atual modalidade comunicativa, criando novas relações, promovendo a disseminação instantânea do conhecimento, propiciando novos espaços participativos mediante rápido acesso a baixos custos de empreendimento.

Diante dessa novel conjuntura cibernética oriunda da internet e seus consectários, o regime da democracia passou a assumir também um aspecto “tecnológico”, o que foi denominado de “ciberdemocracia”, sendo este novo ambiente o responsável pela maior integração dos indivíduos e dos próprios governos, valendo-se da seara virtual de atuação.

Conjugou-se a este aspecto o instrumento constitucionalmente previsto da iniciativa popular de lei, tratando-se de importante mecanismo de participação direta da população na elaboração de propostas legislativas a reger a vida social na qual está inserida.

Em verdade, pôde-se constatar que a iniciativa popular de lei almeja, primordialmente, estreitar o espaço existente entre o povo e o Poder Legislativo, a fim de que possibilite aumentar a participação popular nas iniciativas de cunho legiferante e tal aproximação, pelo atual estágio da ciberdemocracia na era globalizante, há de ser promovida no campo da internet, no campo virtual, como uma alternativa para facilitar o acesso, a celeridade e a forma como as matérias são elaboradas, podendo desenvolver quantitativa e qualitativamente.

Este instrumento, qual seja, a iniciativa popular eletrônica de lei, o qual se vale dos meios eletrônico-virtuais para a participação da população interessada, além de ser um dos reflexos do modelo ciberdemocrático, também possui amparo constitucional, haja vista que desempenha importante papel no desenvolvimento científico e tecnológico, inexistindo qualquer óbice na Constituição Federal à sua concretização, pelo contrário, já havendo Projetos legais para sua regulamentação, como delineado nos tópicos anteriores.

Desta forma, a iniciativa popular eletrônica de lei trata-se de um mecanismo (ciber)democrático, eficaz e de resguardo constitucional, em que o ambiente da internet servirá, indubitavelmente, para demonstrar que tal instrumento é deveras valioso e viável à participação da própria sociedade na regência de sua vida política.
REFERÊNCIAS
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1993.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Trad. Juliana Lemos. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003.
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.

NOTAS

[1] Vide, HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003,
[2] Cf. DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2007 e ELY, John Hart. Democracia e desconfiança: uma teoria do controle judicial de constitucionalidade. Trad. Juliana Lemos. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
[3] Vide, CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1993.
[4] Cf. a obra HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1991.

IMPERIANO, Hioman. Legitimidade neoconstitucional ciberdemocrática e efetividade da iniciativa popular eletrônica de lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5372, 17 mar. 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/63169>. Acesso em: 18 mar. 2018.

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