sábado, 4 de fevereiro de 2012

Da natureza jurídica da sentença que reconhece a existência da união estáve

De acordo com doutrina encarregada de estudo profundo sobre o tema, as sentenças são classificadas, de  acordo  com  o  notável  escólio  de  PONTES  DE  MIRANDA,  conforme  os  efeitos  jurídicos preponderantemente  produzidos  por  elas,  até  porque,  a  bem  da  verdade,  todas  as  ações  são declaratórias,  na medida  em  que  se  limitam  a  declarar  o  direito  preexistente,  ao  invés  de  criá-lo, diferenciando-se apenas no que concerne à extensão de seus objeto e finalidade.

A sentença que se  limita a reconhecer a existência ou  inexistência de determinada união estável, sem se  pronunciar  sobre  os  demais  efeitos  pessoais,  sociais  ou  patrimoniais  dela  decorrentes,  possui natureza eminentemente ou meramente declaratória, haja vista não possuírem, no magistério de JOÃO BATISTA LOPES outra coisa “senão o elemento declaração”. 

Seu objetivo principal é eliminar a  “crise de certeza” que paira sob determinada  relação  jurídica, como deixa clara a lição de CELSO AGRÍCOLA BARBI, no seguinte sentido:

Quando a inobservância do direito consiste não na transgressão, mas na falta de  certeza,  é  necessária  para  seu  restabelecimento  a  eliminação  desse obstáculo, o que se  faz para garantia  jurisdicional consiste na declaração de certeza. Essa declaração, ao contrário da obtida nos casos de transgressão do direito, não se destina a preparar os meios para a coação; ela é um fim em si mesma.  Declarada  qual  seja  a  certeza,  nesses  casos,  esgota-se  a  função jurisdicional,  pois  nada  mais  é  necessário  para  que  seja  eliminada  a inobservância do direito objetivo. Essa garantia jurisdicional é dada mediante a sentença declaratória.

Uma vez extirpada a dúvida,  isto é, alcançada a certificação  jurídica a  respeito, a segurança  jurídica proveniente  da  coisa  julgada  complementa  o  ato  e  confere  o  caráter  de  indiscutibilidade  futura  a respeito  da  existência  daquela  união  reconhecida  pelo  Poder  Judiciário.  A  importância  da  correta classificação  dessa  sentença,  longe  de  representar  questão  afeta  meramente  ao  meio  acadêmico, possui  relevantíssima  repercussão  prática,  uma  vez  que  a  feição  meramente  declaratória  da  ação destinada  ao  reconhecimento  da  existência/inexistência  da  união  estável  atribui  o  caráter  de perpetuidade a seu exercício, o que significa dizer que “as ações desta espécie não estão, nem podem estar, ligadas a prazos prescricionais ou decadenciais”, nas palavras de AGNELO AMORIM FILHO.

No  mundo  empírico,  todavia,  nenhuma  alteração  é  percebida  por  conta  dessa  sentença,  já  que  a relação  jurídica,  isto  é,  a  união  estável  agora  reconhecida  com  força  de  certeza  sempre  existiu  ou inexistiu  no  mundo  real,  o  qual  não  sofre  qualquer  mudança.  Justamente  por  isso,  não  soa tecnicamente correto inserir-se no dispositivo da sentença que reconhece a existência da união estável, a  expressão  “decreto  sua  dissolução”  logo  após  a  declaração  reconhecendo  sua  existência,  pois  o Estado-juiz não decreta a extinção daquela relação, ou seja, não põe cabo à união estável, já que esta, como  fato  da  vida  (ato-fato  jurídico),  geralmente  tem  fim  antes  mesmo  da  propositura  da  ação, bastando que haja a declaração propriamente dita de sua existência entre tal e tal períodos, significando a data inicial obviamente o princípio e a data final o término da relação.

De  forma  diametralmente  oposta  ocorre  com  o  casamento  validamente  constituído,  onde  eventual sentença  que  reconheça  sua  dissolução  deve  necessariamente  “decretá-la”  devido  à  sua  natureza constitutiva negativa, que acarretará efetivas alterações no mundo empírico após sua averbação (CCB, art. 10, I), como, por exemplo, a alteração do estado civil de casado para divorciado e a desnecessidade de outorga conjugal para a prática de diversos atos.

Muito  embora  não  seja  necessário  o  reconhecimento  judicial  da  existência  da  união  estável,  há inúmeras vantagens neste proceder, com reflexos, dentre outros, no ajuizamento da ação de alimentos pelo  rito  célere  previsto  na  Lei  5.478/68,  nos  processos  sucessórios,  na  seara  criminal  e, principalmente, no âmbito de incidência das diversas orientações e leis que regulamentaram a questão ao  longo dos anos, até a vigência do atual Código Civil, devido ao princípio  “tempus  regit actum”,  já mencionado anteriormente.

Destaca-se, em relação a este último aspecto, a questão patrimonial, que, a partir da declaração judicial definitiva acerca das datas de início e fim da união, poderá ser facilmente delineada, permitindo que se tenha  a  perfeita  noção  dos  bens  que  integrarão  ou  não  o  acervo  partilhável  entre  o  casal, independentemente de pronunciamento judicial específico a respeito.
_______________________________________________________________________________
Breves notas sobre a sentença que reconhece a existência de união estável por Rafael Calmon Rangel 
http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Breves%20notas%20união%20estável%2004_01_2011.pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário