Foi criada mais uma espécie de usucapião no Brasil através da Lei
12.424/2011. A rigor, passamos a ter seis espécies de usucapião entre
nós, quais sejam, o usucapião extraordinário, ordinário, especial
urbano, especial rural, coletivo e, agora, o “usucapião especial urbano
por abandono de lar”. A terminologia foi sugerida por Flávio Tartuce
que, já em discussão sobre o tema, entende que se trata de um caso de
usucapião especial.
Como se sabe, o usucapião ou a usucapião – de fato tanto se pode
referir no masculino quanto no feminino – é um dos modos de aquisição da
propriedade previsto no Código Civil, dividindo espaço com a “aquisição
pelo registro do título” e a “aquisição por acessão”.
A lei exige alguns requisitos relevantes para que a pessoa adquira a
propriedade por usucapião, considerando que se trata de um modo
originário de aquisição da propriedade, vale dizer, sem que haja a
transmissão da propriedade de um anterior para um novo proprietário.
Ademais disso, é sempre importante considerar que, na mesma medida em
que há aquisição da propriedade em razão da prescrição aquisitiva, há
também, por parte daquele que sofre a ação de usucapião, perda da
propriedade. Daí o legislador se preocupar em criar requisitos rígidos
para a aquisição por usucapião adotando a lógica de que, quanto mais
tempo de posse exigir, menos requisitos adicionais exigirá.
Tanto é assim que no caso do usucapião extraordinário em que se exige
15 anos, a lei dispensa a prova do justo título e da boa-fé,
presumindo-os. No caso em comento, a lei exigiu, como se verá mais
adiante, apenas dois anos de posse e, por isso, diz-se que os demais
requisitos são mais rígidos.
Quanto aos referidos requisitos legais, considerando as regras gerais
sobre o usucapião, a lei exige que haja posse por parte do requerente,
durante um determinado período de tempo, que, agora, com a nova
modalidade poderá variar de 2 a 15 anos, embora não se possa olvidar
que, como ainda estamos sob os efeitos das regras transitórias do Código
Civil de 1916, esse prazo máximo pode, ainda, em casos determinados,
ser de 20 anos.
Além da posse “ad usucapionem” e do tempo, a lei exige uma decisão
judicial que é, exatamente, o título hábil que autorizará o registrador
de imóveis, claro, no caso do usucapião imobiliário, a proceder o
registro da propriedade em nome do usucapiente, portanto, daquele que
requer a aquisição da propriedade por usucapião.
Visto isso, vamos passar para uma rápida análise sobre a nova espécie
de usucapião que passamos a ter no Brasil. O “usucapião especial urbano
por abandono de lar” está previsto no Código Civil no novo artigo
1.240A, acrescentado pela lei 12.424/11.
O mencionado dispositivo prevê o seguinte: “Art. 1.240-A. Aquele que
exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse
direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano
ou rural”.
A hipótese prevista na lei, portanto, é a que envolve a separação de
fato de um casal e um do membros desse casal abandona o lar sem fazer a
regular partilha do bem, quando é o caso. Nessa hipótese, se o
ex-cônjuge ou ex-companheiro permanecer no imóvel de até 250 m² durante
dois anos, sem oposição daquele que abandonou o lar e, ainda, não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural, adquire a propriedade do
bem. Deve-se observar que, considerando o regime de comunhão de bens
(seja parcial ou universal), a aquisição é da meação do cônjuge que
abandonou o lar, embora seja possível se falar em aquisição do todo, nos
casos em que há o regime de separação.
O espírito da lei foi o de regularizar a propriedade de imóveis em
nome de apenas um dos cônjuges ou companheiros quando o outro
simplesmente deixa o lar sem deixar notícias ao longo de alguns anos,
quedando-se instável a situação daquele que ficou na posse do imóvel,
sem que haja a regularização da propriedade.
É interessante observar que, em um primeiro momento somos levados a
pensar que a discussão sobre culpa ganhou força novamente na separação
do casal em razão dessa nova modalidade de usucapião. Apesar disso, não
nos parece que isso seja correto afirmar. É que, para que um dos
ex-cônjuges venha a perder a propriedade para o outro, necessário se faz
que, aquele que fica na posse a exerça sem oposição, portanto, a
questão é de natureza possessória. Ou seja, não basta que o ex-cônjuge
ou ex-companheiro abandone o lar, esse é apenas um dos requisitos da
lei, é necessário que a posse exercida pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro
que fica no imóvel seja mansa, pacífica e sem oposição, não importando
se houve culpa ou não na dissolução do casamento ou da união estável.
Desse modo, mesmo aquele que abandona o lar pode reivindicar a
propriedade da sua cota parte no imóvel, de acordo com o regime de bens
adotado, seja relativo ao casamento, seja à união estável. Nesse caso, a
oposição do cônjuge ou companheiro que abandona o lar em face daquele
que fica no imóvel será suficiente para que não se estabeleçam todos os
requisitos exigidos pela lei, o que implica dizer que a discussão sobre
culpa não tem efetiva relevância quanto à aquisição da propriedade, como
também pensa Zeno Veloso.
Assim sendo, se o cônjuge ou companheiro que abandona o lar
notificar, judicial ou extrajudicialmente, o cônjuge que fica, no
sentido de que tem interesse em manter a propriedade do imóvel, seja em
uma cota parte, seja integralmente, se for o caso de acordo com o regime
de bens adotado, isso será suficiente para que não haja a presença de
todos os requisitos legais para a aquisição da propriedade por
usucapião.
Não há se negar que as usuais ações cautelares de separação de corpos
que, mesmo após o divórcio direto, com a emenda 66/2010, continuaram
mantendo sua relevância e, a rigor, ganharam ainda mais importância,
porque passaram a ser meio efetivo de prova de quando houve o abandono
do lar por parte do cônjuge ou companheiro, o que implica em facilitação
do início da contagem do tempo, portanto, os dois anos.
Quanto ao aspecto relativo ao tamanho do imóvel, é importante realçar
que a lei, da forma como está exposta, abarca não só a hipótese de
terreno ou área urbana de até 250 m², como também apartamentos que
tenham até esse tamanho. É que a dicção do art. 1.240A, do Código Civil,
parece clara ao dizer que a posse deverá se dar “sobre imóvel urbano de
até 250m²”, diferentemente do que diz, por exemplo, o art. 1.240 do
Código Civil, que trata sobre o usucapião especial urbano, ao dizer que a
posse deve ser exercida sobre “área urbana de até duzentos e cinqüenta
metros quadrados”. Ao que nos parece, em um, ou em outro caso, seja se
referindo a “área” seja se referindo a “imóvel”, a lei prevê que os
apartamentos possam ser objeto de usucapião. Mas, resta claro que, se no
caso do art. 1.240 possa se sustentar que existe dúvida sobre a
intenção do legislador sobre o objeto do usucapião, ao que nos parece,
essa dúvida não existe no caso do art. 1.240A.
Por último, no parágrafo primeiro do art. 1.240A, a lei criou uma
limitação quanto à espécie de usucapião aqui mencionada ao dizer que “o
direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais
de uma vez”.
São essas, portanto, as impressões iniciais a respeito do tema. Ao
longo da aplicação prática do novo instituto, outras questões surgirão e
não faltará oportunidade para discutirmos novamente a temática aqui
mencionada.
RODRIGO TOSCANO DE BRITO
Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da UFPB e do UNIPÊ nos cursos de graduação e pós-graduação. Professor de Direito Civil da Escola Superior da Magistratura e da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do IBDFAM-PB. Advogado.
Fonte: http://www.anoreg.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17828:artigo-usucapiao-especial-urbano-por-abandono-de-lar&catid=32:artigos&Itemid=12
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