A equivalência material é objetivamente aferida quando o contrato, seja na sua
constituição seja na sua execução, realiza a equivalência das prestações, sem
vantagens ou onerosidades excessivas originárias ou supervenientes para uma das
partes. No direito brasileiro, a norma que melhor a expressa, na ordem
objetiva, é o inciso V do art. 6º do CDC, que prevê “a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua
revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente
onerosas”. Na ordem subjetiva, leva em o que o direito presume como
juridicamente vulneráveis, como o consumidor, o aderente, o inquilino, o
trabalhador.
Como disse Franz Wieacker, “o positivismo, desprezando a antiga tradição – que
vinha da ética social de Aristóteles, passando pela escolástica, até o
jusnaturalismo – tinha deixado de atribuir qualquer influência à equivalência
material das prestações nos contratos bilaterais” [12]. Por esta razão, todos os institutos
jurídicos que levavam à justiça contratual e, consequentemente, à limitação da
liberdade dos poderes negociais, foram afastados pela legislação liberal, a
exemplo do Código Civil de 1916. Retoma-se o curso da história, recuperando e
dando novas feições a esses institutos generosos, como a equivalência material,
contribuindo para a humanização ou repersonalização das relações civis e a
pacificação social.
A equivalência material enraíza-se nas normas fundamentais da Constituição
brasileira de 1988, que veiculam os princípios da solidariedade (art. 3º, I) e
da justiça social (art. 170). Este último artigo estabelece que toda a
atividade econômica - exercida juridicamente mediante contratos – deve observar
os “ditames da justiça social”, que , como vimos, voltam-se à promoção da
mudança social e à redução das desigualdades reais dos figurantes.
No Código Civil de 2002 teve introdução explícita nos contratos de adesão. O
Código o incluiu, de modo indireto, em preceitos dispersos, inclusive nos dois
importantes artigos que disciplinam o contrato de adesão (arts. 423 e 424), ao
estabelecer a interpretação mais favorável ao aderente (interpretatio contra
stipulatorem) e ao declarar nula a cláusula que implique renúncia antecipada do
contratante aderente a direito resultante da natureza do negócio (cláusula
geral aberta, a ser preenchida pela mediação concretizadora do aplicador ou
intérprete, caso a caso). O contrato de adesão disciplinado pelo Código Civil
tutela qualquer aderente, seja consumidor ou não, pois não se limita a
determinada relação jurídica, como a de consumo.
Em situações específicas, a equivalência material é revelada implicitamente. No
Código Civil de 2002 ampliou-se, consideravelmente, o poder do juiz para
revisar o contrato e para assumir o juízo de equidade, levando-o às fronteiras
do legislador, ao menos no que concerne ao caso concreto. Ao juiz é dada a
moldura, mas o conteúdo deve ser preenchido na decisão de cada caso concreto,
valendo-se de princípios, conceitos indeterminados ou cláusulas gerais.
Destaquem-se, nessa dimensão, os artigos 157 (lesão), 317 (correção do valor de
prestação desproporcional), parágrafo único do art. 404 (concessão de
indenização complementar, na ausência de cláusula penal), 413 (redução
equitativa da cláusula penal), 421 (função social do contrato), 422(boa-fé
objetiva), 423 (interpretação favorável ao aderente), 478 (resolução por
onerosidade excessiva), 480 (redução da prestação em contrato individual), 620
(redução proporcional do contrato de empreitada).
O art. 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece que, para a proteção do
consumidor, deve ser atendido, dentre outros, os seguintes princípios:
“reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”, ao
lado do princípio da “harmonização dos interesses” e “equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedor”, sendo estes enunciados expressões da
equivalência material.
A equivalência material, recepcionada como princípio normativo pelo direito
brasileiro, rompe a barreira de contenção da igualdade jurídica e formal, que
caracterizou a concepção liberal do contrato. Ao juiz estava vedada a
consideração da desigualdade real dos poderes contratuais ou o desequilíbrio de
direitos e deveres, pois o contrato fazia lei entre as partes, formalmente
iguais, pouco importando o abuso ou exploração da parte vulnerável.
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