A natureza intervencionista do Estado social, para os fins de proteção
das pessoas vulneráveis, é incompatível com a recepção plena do princípio da autonomia
privada. A Constituição brasileira refere explicitamente à livre iniciativa,
mas não à autonomia privada, porque esta é necessariamente limitada e
limitável. A autonomia privada é mais ampla que a livre iniciativa; esta é
expressão parcial daquela. A livre iniciativa é liberdade de criar e exercer
empreendimentos ou atividades econômicas.
Nem todos os atos de autonomia privada se enquadram nesse conceito de livre
iniciativa; os atos realizados entre pessoas particulares, inclusive contratos,
sem relação com atividade econômica, os atos realizados no âmbito do direito de
família ou das sucessões são de autonomia privada, mas não de livre iniciativa.
Depreende-se que há atos de autonomia privada dentro e fora da livre
iniciativa. Não há, pois, princípio constitucional da autonomia privada ou da
liberdade contratual. Nessa linha, decidiu o Conselho Constitucional francês
(Decisão 94-348) que “nenhuma norma de valor constitucional garante o princípio
da liberdade contratual” [13].
Nos Estados Unidos, a Corte Suprema constitucionalizou a autonomia privada
durante o predomínio do liberalismo individualista, com intuito de barrar as
leis que intervinham nas relações privadas de caráter econômico, até que, em
1934, reformulou totalmente sua orientação para considerar constitucional a
legislação intervencionista do New Deal e, consequentemente,
desconstitucionalizar a autonomia privada, que passou a ser tida apenas como
princípio de direito privado, suscetível de limitação no interesse geral. Na
Alemanha, Raiser afirma que não é claro que a Constituição (Lei Fundamental)
garanta a liberdade contratual[14].
A limitação jurídica do espaço da autonomia privada, para evitar que seja
explorada pelo poder negocial dominante em seu interesse, representa um profundo
abalo ao próprio princípio, enquanto deixa de ser explicado pelo poder de
autonomia, de acordo com sua fundamentação política, para sê-lo por seu
contrário (o limite, a restrição). Na medida em que crescem o controle e a
limitação estatais e sociais, reduz-se o espaço de autonomia.
LÔBO,
Paulo. Contratante vulnerável e autonomia privada. Jus Navigandi,
Teresina, ano 18, n.
3749, 6 out.
2013
. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25358>. Acesso em: 15
out. 2013.
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