É
de conhecimento geral que, com a adoção da Teoria Afirmativista da
Realidade Técnica (art. 45 do Código Civil), as pessoas jurídicas
coexistem com as pessoas naturais, conforme também preceitua o artigo 1º
do Código Civil, sendo, porém imprescindível, para referida existência,
o registro dos atos constitutivos. De acordo com Pontes de Miranda1,
as pessoas jurídicas, são criações do Direito. É o sistema jurídico que
atribui direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções a
entes humanos ou a entidades criadas por esses, bilateral, plurilateral
(sociedade, associações), ou unilateralmente (fundações). Para
que os atos jurídicos constituintes de pessoas jurídicas possam ser
reconhecidos e ter efeitos sobre a sociedade, é necessário que estes
sejam registrados, daí então surge a necessidade do registro civil de
pessoas jurídicas.
As pessoas
jurídicas podem ter seus registros realizados no Registro Civil de
Pessoas Jurídicas ou na Junta Comercial. A obrigatoriedade do registro
em uma dessas entidades não só garante a existência, mas também a
regularidade e o ato de registro determina a natureza civil ou
empresarial do ente em questão.
Desde cedo surge
uma diferenciação entre as entidades regidas pelo Código Civil e as
regidas pelo Código Comercial, lembrando que, historicamente, existia o
Código Comercial de 1850 e só posteriormente o Código Civil de 1916. Na
época, a diferenciação entre as sociedades civis e empresariais era mais
emblemática e necessitava da sua prévia compreensão para o seu regular
registro.
Essa
diferenciação ganhou uma nova roupagem com as disposições do Código
Civil de 2002. Muita dúvida houve no que toca a classificação e
diferenciação entre sociedade civil e empresarial, mas de toda a sorte, o
Código Civil atual unificou a codificação civil e comercial
(empresarial) tanto no que diz respeito às pessoas, quanto no diz
respeito aos contratos.
Abandonou-se o
conceito utilizado pelo sistema francês, que diferenciava as sociedades
comerciais das demais apenas por meio de uma análise do objeto social.
De acordo com o novo ordenamento civil, a diferença entre as sociedades
civil e empresarial não reside no objeto social, pois ambas realizam
atividades econômicas, o que as diferencia é, portanto, a estrutura, ou
seja, é a funcionalidade, que pode ser entendida até mesmo como o modo
de atuação.
Como regra, é
possível considerar que todas as sociedades que tiverem objeto civil são
tidas por "simples" (art. 982, caput, CC), exceto se tiverem "por
objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a
registro", restritas, as hipóteses, de forma vinculada, àquelas
atividades meramente organizacionais dos meios de produção (art. 966,
CC).
Quanto às sociedades
civis, seu registro deve ser realizado no Registro Civil de Pessoas
Jurídicas, que é uma das espécies de Registros Públicos que, assim como
as demais espécies, tem como finalidade garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, conforme
previsão legal2.
Em seu artigo intitulado Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o dr.
Paulo Roberto de Carvalho Rêgo versa sobre o assunto e ainda nos fornece
uma excelente introdução histórica sobre o tema.
Foram as
Ordenações Filipinas, de 1603, o documento que primeiro fez referência
às sociedades civis e como estas seriam regulamentadas no Brasil. Essas
ordenações, no entanto, ainda não atribuíam personalidade jurídica às
sociedades civis, mas apenas constituíam um a vínculo contratual entre
os sócios. Não existia ainda a separação que hoje se faz entre o
patrimônio dos sócios e da empresa.
Em 1º de janeiro
de 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, surgiu a necessidade de
adaptar as normas que se referissem ao tema disposto pelo então Novo
Código. Foi o decreto-lei 12.343, de 1997, que trouxe consigo Instruções
para a Execução Provisória do Registro Público, cujo objetivo era
autenticar e validar os atos realizados pelos registradores, enquanto
ainda não houvesse Lei específica sobre a matéria. Foi devido ao Código
Civil de 1916, portanto, que a personalidade jurídica passou a ficar em
evidência. Atualmente, é a lei dos registros públicos, lei 6.015 de
1973, que versa sobre a matéria e sobre o registro das pessoas jurídicas
e das sociedades civis. Em seu capítulo II ficou expressa a
responsabilidade de o RCPJ registrar as sociedades, fundações e partidos
políticos, entre outros.
Já no que se
refere às sociedades empresariais, no entanto, o registro ficou sujeito
aos termos previstos pelos órgãos específicos que cuidam e regulamentam o
Direito Comercial no Brasil, como veremos mais adiante.
Para que seja
realizado o exercício da atividade empresarial, seja por pessoa natural,
seja por pessoa jurídica, pressupõe-se a necessidade de registro
específico e correspondente, que será justamente a inscrição do
empresário no Registro Público de Empresas Mercantis (art. 967, CC),
conforme previsão legal também da lei 8.934 de 1994 que reviu toda a
matéria de Registros Públicos de Empresas Mercantis.
Para regular tais
registros e outras funções relacionadas à atividade comercial no
Brasil, criou-se o Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis do
Comércio (SINREM). O Órgão central do SINREM é o Departamento Nacional
de Registro do Comércio (DNRC) que possui como principais funções a
supervisão, orientação e normatização, no plano técnico; e
supletivamente, no plano administrativo. Em cada uma das unidades da
Federação, ou seja, em cada um dos Estados, existem ainda as Juntas
Comerciais, que são atribuídas de funções de execução e administração
dos serviços de registro.
As juntas
comerciais são, portanto, subordinadas tecnicamente ao DNRC, e tem como
principal finalidade é efetuar os registros pertinentes ao Registro
Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins. É na junta comercial,
por exemplo, que deve o empresário individual fazer a sua inscrição, bem
como a sociedade empresária arquivar seu contrato social, além disso,
também é na junta comercial que se registra alterações na pessoa
jurídica, como endereço, capital social, objeto social, troca de sócios
(quando sociedade empresária). Pode-se também alterar a natureza
jurídica da empresa, seja de empresário (antiga firma individual) para
sociedade limitada ou vice-versa.
Percebe-se,
então, que desde sempre houve uma diferenciação entre as pessoas
jurídicas de natureza civil e as pessoas jurídicas de natureza
comercial. Tal separação é justificada pela separação de matérias que
compunham o Código Civil 1916 e o Código Comercial de 1850. Ainda que
muito tenha sido mudado com as inovações trazidas pelo Código Civil
atual, desde muito em vigor, restam ainda alguns resquícios e alguns
hábitos e práticas do século passado, a exemplo da separação do registro
de sociedades civis e empresariais.
Entende o
Conselho Superior da Magistratura paulista que cabe ao RCPJ registrar
pessoas jurídicas de direito privado, com exceção da sociedade
empresária, que tem assentamento perante o Registro Público de Empresas
Mercantis, cujo registro fica a cargo da Junta Comercial, órgão
estadual, sendo regido pela lei 8.934/94, regulamentada pelo decreto
1.800/96.
Questões
remanescentes ainda existem sobre o órgão que deve ficar responsável
pelo registro de cooperativas que, de acordo com o Código Civil, são
sociedades simples. Assim, como houve mudança do regime jurídico,
deveriam estar sendo assentadas perante o RCPJ. Todavia, continuam sendo
registradas perante a Junta Comercial, em razão do disposto no artigo
1093 do Código Civil, combinado com o artigo 18 da lei 5.764/71 (lei do
cooperativismo). Existe posicionamento da doutrina que nos dois
sentidos, da manutenção do registro como é feito agora e das mudanças
devido à classificação das cooperativas como sociedades simples.
Como vimos até
agora, a questão do sistema dicotômico atual está enraizado na história
do sistema jurídico pratico. Na próxima oportunidade, procuraremos
abordar acertos e desacertos da unificação das pessoas jurídicas de
Direito Privado num único sistema registral, para bem da própria
sociedade.
__________
1SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Associações e Fundações no RCPJ. Disponibilizado no Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil.
2Art. 1º da lei 6.015/73, lei dos Registros Públicos.
* Vitor Frederico Kümpel é
juiz de Direito em São Paulo, doutor em Direito pela USP e coordenador
da pós-graduação em Direito Notarial e Registral Imobiliário na EPD -
Escola Paulista de Direito.
http://www.migalhas.com.br/Registralhas/98,MI188342,41046-O+registro+das+pessoas+juridicas
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